Ajuste fiscal é faz de conta

Artigos - 03/12/2024

Por Marconi Perillo

O plano de ajuste fiscal do governo federal é um grande faz de conta. Fingem que estão preocupados com as finanças públicas e esperam que a população e o mercado acreditem. Não acontecerá.

A estratégia do governo foi anunciar em conjunto um plano de reforma da renda. A iniciativa de isentar do Imposto de Renda quem ganha até R$ 5 mil — promessa de campanha do presidente Lula, ainda que bem-vinda e com resultado neutro após compensações — não tem nada a ver com ajuste fiscal. É quase impossível encontrar quem acredite — no mercado, nas universidades, na política — que as mudanças do Imposto de Renda resultarão em soma zero. Isso fez, num primeiro momento, a cotação do dólar disparar e a Bolsa despencar. Uma galhofa comum no mercado é que a Bolsa cai no boato e sobe no fato. Nesse caso, ao deparar com a realidade, a Bolsa caiu ainda mais. E isso não é bom para um país que precisa tanto de investimentos.

É conhecida a ganância petista por gastos. O petismo vive e sobrevive do equilíbrio conquistado pelo Brasil, a duríssimas penas, 30 anos atrás com o Plano Real. Estamos prestes a ver essa conquista dilapidada pela inconsequência fiscal recorrente de sucessivos governos — com a justa ressalva do governo Michel Temer, sem o qual estaríamos em situação ainda pior. A inflação já dá sinais de que quer voltar para ficar, e essa seria a pior das consequências.

A frustração é enorme porque se esperava que o governo, finalmente, mostrasse compromisso real com o corte de gastos. Ajustes em programas sociais como abono salarial e Benefício de Prestação Continuada (BPC) vieram como mais do mesmo. Falar em atacar os supersalários parece outra vez discurso vazio. A pequena reforma na Previdência das carreiras militares, há muito esperada, não trará impacto significativo.

Mexer nos subsídios, que consomem mais de R$ 300 bilhões, não parece ser preocupação. Não se falou em melhorar a gestão e a governança das estatais para reduzir o rombo que neste ano beira R$ 4 bilhões nas contas do próprio governo. E tem mais por vir, como as pedaladas já confessadas na Telebras.
A própria existência de tantas estatais soa abusiva. São mais de cem empresas, um grande cabide de empregos. O governo não pode ver uma oportunidade de criar uma estatal nova que corre para garantir a “boquinha”.
As medidas necessárias gerariam impacto realmente positivo para o país. Um governo que gasta menos tem contas públicas melhores, pode investir mais em serviços essenciais e em infraestrutura, atrai mais investimentos privados, os juros caem, e o país poderia, finalmente, sair do enorme risco que bate à porta de uma crise fiscal sem precedentes.

Nossa esperança é que o Congresso faça a lição de casa que o governo, por incompetência ou má-fé, decidiu não fazer. Não podemos permitir a volta da inflação e que a estabilidade econômica do Brasil, conquista do Plano Real muito viva 30 anos depois de implantada, seja jogada no lixo pelo populismo e pela irresponsabilidade fiscal.

*Marconi Perillo, presidente nacional do PSDB, foi governador de Goiás, senador, vice-presidente do Senado, deputado federal e deputado estadual

Originalmente publicado em O Globo, em 03/12: https://oglobo.globo.com/opiniao/artigos/coluna/2024/12/ajuste-fiscal-e-faz-de-conta.ghtml.

Versão do impresso:

X
03/12/2024