“Desigualdades, racismos e saúde”, por Juvenal Araújo

É difícil continuar ponderando a dor do racismo. Começo com essa autoafirmação, quando o que eu e toda população negra mais gostaríamos é de efetivamente refletir e vivenciar nossas próprias alegrias. Mas seguimos, como calos apertados na vida daqueles que agem e acreditam no racismo como arma de subsistência de seus privilégios.
Continuaremos! Passos firmes, fortes. Resistência. A mesma inspirada nos nossos antepassados que lutaram por uma política de reparação que nos garantisse dignidade e acesso aos direitos básicos.
Diante do recém lançado Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra o Covid-19, pressiono aqui, nas vésperas de um novo tempo, por uma logística de atenção prioritária para as populações negras e quilombolas. Sim, porque infelizmente ainda somos os segmentos mais negligenciados e vulneráveis ao impacto desta doença em função de diversos e espinhosos aspectos geopolíticos, sociais e econômicos.
O irresignado mito da democracia racial determina que pessoas negras, em sua maioria, não alcancem o ideal da igualdade de oportunidades. A despeito disto, fazemos frente contra todos os fatores que personificam em menor nossa expectativa de vida por raça e cor. As ações de enfrentamento à pandemia voltadas para a população negra não devem negar essa escala de risco que se refere ao racismo estrutural e institucional existente no país.
Temos o maior contingente negro no mundo fora do continente africano, e com toda essa pluralidade, o reles resultado esperado seria o ordenamento de convergências com as políticas públicas que assegurem nossos direitos, com o objetivo de diminuir o evidente, desproporcional e incontestável comportamento dos marcadores sociais de desigualdades.
No desvelo de seguir em passos firmes, lá atrás, ainda enquanto secretário nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, tive a satisfação de atuar na elaboração da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra que tem como marca o reconhecimento do racismo, das desigualdades étnico-raciais e do racismo institucional como determinantes sociais das condições de saúde. Nessa construção, o principal objetivo era a promoção da saúde integral da população negra, o combate ao racismo e à discriminação nas instituições e serviços do Sistema Único de Saúde (SUS).
Relembro ainda o protagonismo da IV Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial, um marco na história da promoção da igualdade racial no país, com a aprovação de 118 propostas de enfrentamento ao racismo que servirão de alicerce para a construção das políticas públicas dos próximos anos. A exemplo da transversalidade e articulação da pauta da saúde entre ministérios, a inclusão do quesito raça cor no SUS e a aplicação de estratégias para que Entes Federados possam direcionar a política no enfrentamento das desigualdades em saúde com enfoque na abordagem étnico-racial.
Defendo a qualquer hora a união do ativismo dos movimentos negros, sociedade civil, atores governamentais e científicos para corroborar a soma da ordem que denuncia a peculiaridade racista e genocida que só aumentam os vestígios de morte e adoecimento pela Covid-19. Especialmente em populações tradicionais destituídas de humanidade.
A sociedade brasileira precisa de uma consciência de classe que provoque estratégias e convoque sujeitos que possam assegurar o respeito aos fundamentos do Estado Democrático de Direito como um ato revolucionário.
Digamos sim, pela salvaguarda de nossa história, conhecimento, linguagem, memória e ancestralidade. E renovemos nossos sentimentos com um pouco mais de esperança em dias melhores.
A luta não é só do negro, é de todos nós!
(*) Presidente de honra do Tucanafro