Editorial de O Globo: Prévias partidárias são ritual saudável para a democracia
As prévias no PSDB são uma excelente notícia para a democracia brasileira, como deixou clara a participação dos pré-candidatos presidenciais no debate público promovido ontem pelo GLOBO em parceria com o jornal Valor Econômico. Ao contrário do que acontece em democracias maduras, como a americana, na brasileira a escolha dos candidatos costuma ser opaca, uma discussão que acontece à margem dos eleitores e depende do “dedaço” dos caciques. Seria salutar para o país se mais partidos optassem por uma disputa aberta, sujeita ao voto.
Mesmo que as regras adotadas pelos tucanos possam ser criticadas, não se deve perder de vista o essencial: as prévias aproximam o eleitor das propostas de cada candidato e permitem enxergar semelhanças e diferenças dentro de um mesmo partido. Meses antes da eleição, já trazem os grandes debates nacionais para a pauta. São, por tudo isso, um ritual saudável para o fortalecimento da democracia.
Foi exatamente o que se viu por mais de duas horas na sede do GLOBO. O governador de São Paulo, João Doria, o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, e o ex-prefeito de Manaus Arthur Virgílio desmentiram a visão de que as “caneladas” no debate levariam à implosão do partido. Ao contrário, a discussão foi marcada pela civilidade. Os três firmaram compromisso de permanecer no PSDB mesmo que percam.
Ficou claro que Doria, Leite e Virgílio se enxergam como adeptos da social-democracia clássica, que tenta unir a necessidade de reformas no Estado ao compromisso de combater a desigualdade social. Usaram como exemplo os históricos de suas administrações, numa tentativa de provar ter a capacidade de repetir seus sucessos em escala federal.
Entre os pontos ressaltados, estão as reformas administrativa e a tributária, diagnóstico na direção certa. O mesmo vale para a ênfase na educação. Os três também afirmaram comungar a valorização da diversidade — de gênero, cor e orientação sexual. Em certa medida, tentaram resgatar ideias mais próximas às que deram origem ao PSDB, partido cuja bancada no Congresso costuma se dividir na votação das pautas bolsonaristas.
As contradições apareceram quando os três foram confrontados por jornalistas do GLOBO e do Valor. Doria não soube explicar a alta rejeição que sofre nas pesquisas de opinião. Leite se embaralhou para justificar o voto em Jair Bolsonaro em 2018. Virgílio declarou, sem apresentar estudo ou evidência, que o fim dos subsídios para a Zona Franca de Manaus acarretaria aumento no desmatamento da Amazônia.
Ainda é cedo para saber se um terceiro candidato conseguirá quebrar a polarização entre Jair Bolsonaro e Luiz Inácio Lula da Silva na campanha do ano que vem. Doria, Leite e Virgílio mostraram que os tucanos apostam nessa possibilidade e, até o momento, estão dispostos a seguir juntos, independentemente de quem seja vencedor na votação prevista para o dia 21 de novembro entre os integrantes do PSDB.
Todos os partidos com mais de 5% de assentos na Câmara que decidirem organizar prévias terão espaço semelhante no GLOBO e no Valor para que seus pré-candidatos apresentem suas ideias aos eleitores e respondam aos questionamentos de jornalistas. A democracia só ganha com o debate robusto de ideias.
(*) Editorial publicado em 20/10/2021