“Esperança, negritude, raiz e liberdade”, por Juvenal Araújo

No meu último artigo falei sobre desigualdades, racismo e saúde e como é duro e desumano ser negro no Brasil, mas fiquei pensando que não podemos e nem devemos aceitar ser apenas dor. Como homem negro, figura pública da administração e da política, que tanto recebi e tenho a agradecer a minha própria raiz preta – o venturoso ventre que me trouxe ao mundo e o seio que me deu o primeiro alimento – para ser o homem que hoje me tornei, chego à conclusão que nós, pretos, somos a esperança de um mundo melhor.
Falar de esperança para o povo preto, às vésperas de um ano novo, é renovar nossa capacidade de sonhar, de respirar fundo para continuar a luta começada por nossos ancestrais e que nós, contemporâneos, temos a obrigação social de continuar.
Hoje o que eu quero dizer para minhas duas filhas, minhas meninas pretas, e para todas as crianças negras periféricas é que elas continuem a sonhar, assim como um dia sonhei e no presente ocupo lugares que por séculos me foram negados. Que alcancemos o ideal da educação de boa qualidade sem distinções, de ter nossa estética afro-brasileira valorizada, de professar com orgulho a honra e o valor de pertencer às nações de religiões de matriz africana, de sermos reconhecidos dentro dos nossos próprios padrões de beleza, de nossos corpos negros terem segurança para ir e vir sem sermos ofendidos ou exterminados como coisas, de pertencermos a todas as áreas de conhecimento, segundo nossos talentos, sem apagamento e/ou embranquecimento da nossa história.
Que homens, mulheres e crianças negras tenham melhores condições para produzir e consumir mais conteúdos de escritores e pensadores negros e negras ou simplesmente se tornar mais um deles, que tenhamos acesso a uma mídia isenta de estereótipos e que nos apresente como exóticos ou criminosos, que gozemos da prerrogativa de apreciar os elementos da negritude livres da apropriação cultural que incide no apagamento de seus significados, de ver nossas demandas apresentadas e atendidas por parlamentares que nos representem , que possamos ser vistos como pessoas e ter nosso discurso, costumes e tradições legitimados por todos, de ver a mulher negra no topo da pirâmide reconhecendo seu direito ao amor, afeto e descanso histórico.
Pensar em um mundo melhor é espalhar energia de luz e possibilidades. Que vire prática, regra, obrigação, direito, proteção, autonomia, imunidade, pluralismo, independência. LIBERDADE!
Que consigamos renovar nossas esperanças nas antigas, atuais e novas gerações de militantes do movimento negro brasileiro. Que o som de nossas vozes ecoem como atabaques da nossa emancipação, cheios de fé, altivez e potência. Que sejamos espelhos, inspiração e força. E acreditar que é hoje o dia de reescrever e continuar construindo nossas histórias a partir de nossas próprias falas, experiências e pontos de vistas. Somos sujeitos do legado do movimento da diáspora contra o racismo. Busquemos novos significados. Unamos mais e mais forças, e os anseios de um país mais igualitário se cumprirão.
Feliz 2021!
(*) Servidor público, é subsecretário de Políticas Antidrogas do Distrito Federal e presidente de honra do Tucanafro