“Espertezas à beira do abismo”, por Ademar Traiano
Acompanhe - 04/07/2013
Alguém ouviu, nos protestos nas ruas de junho, multidões gritando: “Queremos voto em lista fechada para não saber quem vamos eleger!”, ou “queremos pagar do nosso bolso as campanhas dos políticos para dar mais dinheiro ao PT!”? Com certeza ninguém ouviu gritos ou viu cartazes com essas insanidades. Mas são esses brados imaginários que Dilma Rousseff e o PT fingiram escutar e pretendem atender com sua proposta de reforma política.

Só uma tentativa descarada de lograr o eleitor pode explicar a insistência em apresentar, como resposta eficaz aos protestos que abalaram o país, uma reforma política que o PT vem tentando emplacar faz muito tempo. E não emplaca pelo fato que o projeto está na contramão daquilo que o brasileiro quer e é uma afronta àqueles que foram as ruas bradar contra os desmandos, deficiências dos serviços públicos e a volta da inflação.
Para responder a esse brado o PT tirou da cartola uma constituinte ilegal, um plebiscito inviável, e já se contenta com uma reforma política via referendo que, se for concretizada, pode piorar tudo que a população rejeitou nas ruas. Entre eles, o voto em lista fechada, que elimina o poder do eleitor escolher o candidato que quer ver eleito, e uma proposta indecente para o financiamento de campanhas.
O PT quer um sistema de financiamento público para as campanhas eleitorais em que o dinheiro seja dividido de acordo com a composição numérica das bancadas na Câmara dos Deputados. A bancada aliada do governo Dilma ficaria com dois terços desse dinheiro público. O partido que teria maior benefício financeiro seria o próprio PT.
Uma variante desta proposta contém outro tipo de esperteza. Permitem-se as contribuições privadas para os partidos, mas todo o dinheiro iria para um fundo comum e aí seria redistribuído. O critério é o mesmo: verbas segundo o tamanho da bancada na Câmara. O que continua privilegiando o PT.
Se alguém decidir fazer uma doação para algum partido político, porque está farto dos desmandos do PT, veria sua doação ir para o fundo comum e ser distribuído aos partidos de acordo com o tamanho das bancadas. Ou seja, a maior parte do dinheiro doado por esse adversário dos petistas, para combater o PT, iria para o PT. Pior, a pressa frenética do governo em tocar essa reforma – que ninguém pediu nas ruas – tem por objetivo aprovar medidas a tempo para beneficiar a campanha da própria Dilma em 2014.
Só a má fé explica a ideia que a resposta para o cidadão que foi às ruas gritar contra a alta do transporte, o desperdício de dinheiro público nos estádios da Copa, a corrupção e demora em encarcerar mensaleiros, é fazê-lo participar – ao custo de R$ 500 milhões – de um plebiscito sobre coisas como voto distrital puro ou o distrital misto alemão.
As heranças malditas do PT estão na origem do vulcão da indignação popular. Para responder a fúria das ruas, alimentada pela corrupção dos mensaleiros, os escândalos do Enem, o caos aéreo, os estádios bilionários, a volta da inflação, que está destruindo o poder aquisitivo dos brasileiros, se oferece uma reforma política que não tem outro objetivo que fortalecer a hegemonia do PT. É o cúmulo da desfaçatez.
Em apenas 20 dias 27 pontos da popularidade de Dilma Rousseff viraram fumaça. Ela caiu de 57% para 30%, segundo pesquisa do Datafolha. A presidente perdeu o apoio de 2 milhões de eleitores por dia. Uma queda tão vertiginosa como não se via desde 1990, quando Fernando Collor de Melo confiscou a poupança dos brasileiros.
Bastaram 20 dias de convulsão nas ruas para toda a popularidade divinal do governo do Partido dos Trabalhadores se dissolvesse. “Tudo que é sólido se desmancha no ar”, frase de Marx, no Manifesto Comunista, é apropriada para definir a situação do governo do PT. Um partido marxista na inspiração e cleptomaníaco na ação.
Só a arrogância extrema pode explicar que depois do terremoto nas ruas o PT esteja tentando bancar o esperto e jogar para o eleitor uma reforma política malandra que ninguém, exceto ele mesmo quer. O PT deveria ouvir com humildade e tentar entender o recado das ruas. A paciência do brasileiro é grande, mas os protestos de junho mostraram que essa paciência não é infinita.
(Ademar Traiano é deputado estadual pelo PSDB do Paraná e líder do governo na Assembleia)