“Fila da Educação”, por Raul Christiano
A história se repete: a população enfrenta filas para tentar matricular seus filhos em escolas públicas boas. E essa cena não é privilégio dos municípios nordestinos – que os meios de comunicação exibem mais. No sudeste brasileiro acontece a mesma coisa, fato que pode levar à interpretação de que não há escolas para todos. E não se trata de falta de vagas em escolas públicas. Falta na verdade nivelar por cima a qualidade da educação, em todo o país.
O poder público não consegue corrigir a coexistência de escolas públicas boas e ruins, que na maioria das vezes estão situadas na mesma rua, bairro e região das cidades. Esse diagnóstico foi compartilhado há muitos anos, quando o governo federal decidiu priorizar a universalização do acesso ao ensino fundamental para toda criança de 7 a 14 anos de idade, e instituiu meios para que Estados e Municípios pudessem se engajar nesse objetivo. A iniciativa do então ministro da Educação, Paulo Renato Souza, completa 25 anos, e se as políticas públicas planejadas não tivessem sido interrompidas no centro ou nas pontas da gestão educacional, acredito que uma geração estaria salva e uma sequência positiva revelaria resultados melhores nas avaliações institucionais feitas pelo Brasil e por organismos internacionais, como o PISA.
A criação do Fundef – Fundo de Desenvolvimento da Educação e Valorização do Magistério (atual Fundeb) funcionou como uma garantia de recursos públicos iguais para todos, proporcionalmente ao número de alunos matriculados. Assim, toda escola pública passou a ter as mesmas condições e recursos para a manutenção, custeio de funcionários, professores e dirigentes, merenda, material didático etc. O fundo, criado em 1996 e em operação a partir de 1998, reuniu impostos de estados e municípios e uma complementação da União, com a finalidade de começar a reverter as desigualdades regionais, que sempre foram e ainda são gritantes no país.
O Fundeb tem prazo de validade a expirar em 2020 e a sua revisão deve ser uma das pautas legislativas mais importantes durante este ano, dada a dependência de praticamente todas as redes públicas de ensino básico pelas verbas que o compõem. Em quatro de cada dez municípios, o Fundeb responde por ao menos 70% do orçamento da educação. No Congresso Nacional discutem alterações que podem ampliar em até cinco vezes os investimentos da União e a melhoria dos critérios de distribuição, privilegiando nos próximos anos os municípios mais pobres. Por isso, acho necessário perguntar sempre aos deputados federais e senadores, sobre como está essa prioridade na agenda política do parlamento.
O Ministério da Educação – MEC e as secretarias estaduais e municipais de Educação têm uma chance histórica de mudar essas imagens de familiares nas filas em busca de um ensino melhor, que por si só representa o anseio de terem melhores oportunidades no futuro, com a empregabilidade e a justiça social cantada em prosa e verso pelos políticos, especialistas e ONGs. São muitos os problemas na educação brasileira, especialmente na educação pública, que não permitem a desatenção do Estado.
Crianças no 6.º ano do ensino fundamental sem habilidade de ler e escrever, exibidas nas avaliações institucionais, ajudam a generalizar o discurso contra a situação em que se encontra a educação pública no Brasil, vítima da descontinuidade de políticas e ações bem-sucedidas. É essencial firmar o foco na estrutura educacional brasileira, com a maioria recebendo baixos salários, frustração com as condições da oferta de ensino e do trabalho no chão das escolas, dificuldades diárias na realidade escolar e mínima participação das famílias na educação dos seus filhos, apenas para citar alguns exemplos.
A universalização do acesso à educação no Brasil aconteceu em 1997. Uma diferença básica se compararmos com outros países, como os europeus que universalizaram o acesso à educação no século 19, assim como Argentina, Uruguai e Chile. Não é simples comparar a escola pública de hoje com as escolas dos anos 1950, 1960. Naqueles anos, havia 40% das crianças fora da escola. Eram escolas públicas boas para poucos e não uma boa escola pública.
(*) Professor universitário, jornalista e escritor
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