“O flagelo da seca”, carta de conjuntura do ITV

Acompanhe - 06/05/2013

Seca Nordeste ABrDepois de meses de inclemente estiagem, felizmente começaram a cair as primeiras chuvas no semiárido nordestino. Está longe, contudo, de ser suficiente para que a região supere o rastro de dificuldades que dois anos sem precipitações vêm deixando. O Nordeste não espera apenas que o clima melhore. Cobra políticas públicas permanentes e eficazes para que o flagelo da seca não continue a castigar seu povo, como, mais uma vez, acontece agora.

A seca atual é considerada a pior em décadas – há quem diga que não se vê nada igual em mais de 50 anos. Segundo o governo federal, 1,4 mil municípios nordestinos estão sofrendo com a estiagem e 22 milhões de pessoas já foram afetadas. A Secretaria Nacional de Defesa Civil decretou situação de emergência e estado de calamidade pública em mais de mil localidades. No último ano-safra, a produção agrícola do Nordeste caiu 22% e os rebanhos foram praticamente dizimados.

Diante de um flagelo desta magnitude, a ação do poder público mostrou-se, até agora, impotente, insuficiente e incompetente. Alguns programas sociais podem até estar ajudando a diminuir o sofrimento das famílias mais pobres, mas não se veem ações estruturais que deem à população local condições de conviver com a seca de modo menos sofrido e que combatam os efeitos da estiagem com tecnologia, clareza de propósitos e eficiência na alocação de recursos.

O Nordeste não é caso isolado ou sem solução. Há ao redor do mundo inúmeras outras regiões de baixa pluviosidade cujos habitantes não apenas convivem perfeitamente com o clima pouco favorável, como também desenvolvem atividades econômicas sustentáveis, como são os casos da Almería espanhola, dos desertos de Israel e mesmo dos perímetros irrigados de Juazeiro e Petrolina. Por que não em todo o semiárido nordestino?

Soluções equivocadas
O maior problema do Nordeste é fazer a água chegar a quem precisa. Existem açudes, barragens, reservatórios e poços, mas a estrutura de adução é pouco expressiva para uma região tão vasta. Segundo a Agência Nacional de Águas, construir dutos capazes de distribuir os recursos hídricos disponíveis no semiárido poderia custar um terço do que se pretende gastar nas obras da transposição das águas do rio São Francisco – e resolveria a escassez.

O governo federal optou, porém, pelo bilionário empreendimento, que, seis anos depois de iniciado, até hoje não conseguiu fazer chegar uma gota d’água às populações assoladas pela seca. Orçados originalmente em R$ 4,5 bilhões, os custos da obra já saltaram para R$ 8,2 bilhões. Na melhor das hipóteses, apenas o próximo presidente conseguirá inaugurar os dois grandes eixos (Norte e Leste, com 720 km de extensão) que compõem o projeto. Ainda assim, apenas pequena parcela da água transposta do São Francisco servirá ao consumo humano, conforme o estudo de impacto ambiental da obra.

A gestão petista não tem falhado apenas na execução da monumental empreitada da transposição, cujos canais apodrecem sob o sol, com trechos inteiros abandonados. Iniciativas meritórias, e mais singelas, mas muito eficazes também não têm obtido o apoio necessário. É o caso da construção de 1 milhão de cisternas no semiárido. Lançada há dez anos por uma articulação de entidades da sociedade civil e depois encampado pelo governo federal, até hoje não conseguiu realizar nem metade da meta a que se propôs, porque o dinheiro que deveria bancar o programa não chega onde deveria.

Dinheiro tem, mas não chega
Desde abril de 2012, quando o Nordeste já convivia com a severidade da seca há pelo menos um ano, o governo federal editou sete medidas provisórias destinando recursos para combater os efeitos da estiagem. No total, elas envolvem R$ 7,9 bilhões em recursos da União. Instrumentos desta natureza se justificam pelo caráter de urgência e, até por esta razão, era de se esperar que o dinheiro chegasse rapidamente ao semiárido para aplacar as dificuldades da população local. Não é, contudo, o que vem ocorrendo.

Até o fim de abril, menos de R$ 2 bilhões da dotação prevista nas MPs foram aplicados, o que equivale a 25% do total. Repete-se nas ações federais voltadas à seca o mesmo padrão vigente nas demais políticas públicas da gestão petista: dinheiro existe, mas dificilmente chega onde é preciso. Mais grave é que, por causa de delongas na aplicação dos recursos, quase R$ 400 milhões foram simplesmente perdidos na passagem de 2012 para 2013.

Recentemente, Dilma Rousseff – que neste ano escolheu o Nordeste como seu destino de viagens preferido – anunciou novo pacote de auxílio à região. Pelas cifras oficiais, serão liberados mais R$ 9 bilhões. Mas, analisada nas suas entranhas, a ajuda propagandeada pela presidente junta, num mesmo balaio, benefícios já existentes, verbas já empenhadas e recursos carimbados que já iriam, de alguma forma, para os estados nordestinos.

Melhor remediar do que prevenir
Infelizmente, não é apenas a má execução orçamentária que ilustra a pouca atenção que o poder central tem dedicado à seca no Nordeste. As características dos programas voltados a atender o semiárido revelam a opção da gestão do PT por remediar, quase nunca por prevenir: 62% do valor que o Ministério da Integração informa estar destinando para enfrentar a estiagem tem cunho emergencial.

Levantamento feito recentemente pela ONG Contas Abertas mostrou que, de R$ 3,4 bilhões previstos no Orçamento Geral da União de 2012 para obras de barragens, adutoras e canais dentro do programa “Oferta de Água”, por exemplo, apenas R$ 407 milhões foram efetivamente aplicados, ou seja 12% do total. A preferência petista continua recaindo sobre usar carros-pipa, distribuir bolsas e, agora, até mesmo auxiliar produtores rurais na compra de novos “boizinhos” e “cabrinhas”, como parte do “vale-bode” que a presidente anunciou numa de suas últimas viagens à região.

As secas são problema secular no Nordeste. O país já venceu desafios maiores e tem condições de sobra para prover melhores condições para quem convive com o semiárido. Mas não será com meros paliativos que se alcançarão bons resultados. É preciso que o poder público federal defina e gerencie melhor ações estruturantes que permitam à população nordestina conviver melhor com a estiagem, criando também meios para que a economia local se desenvolva e se sustente. Não é admissível que ainda hoje continue a existir uma abjeta “indústria da seca”, para a qual a região só interessa quando pretensões eleitorais estão em jogo.

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06/05/2013