“Por que privatizar mais (I): rodovias”, análise do ITV

O PT finalmente resolveu admitir o que passou décadas renegando: o investimento privado é a melhor forma de recuperar nossa depauperada infraestrutura viária. O pacote de privatizações que a presidente Dilma Rousseff anunciou neste mês poderá recolocar o país em condições de dar novos e consistentes saltos rumo ao futuro. Da intenção à prática, porém, ainda será preciso vigiar os próximos passos, para assegurar que o vezo intervencionista e estatizante dos petistas não acabe por prevalecer e atravancar o processo.

Acompanhe - 19/09/2012

Análise do Instituto Teotônio Vilela

O PT finalmente resolveu admitir o que passou décadas renegando: o investimento privado é a melhor forma de recuperar nossa depauperada infraestrutura viária. O pacote de privatizações que a presidente Dilma Rousseff anunciou neste mês poderá recolocar o país em condições de dar novos e consistentes saltos rumo ao futuro. Da intenção à prática, porém, ainda será preciso vigiar os próximos passos, para assegurar que o vezo intervencionista e estatizante dos petistas não acabe por prevalecer e atravancar o processo.

Até agora, apenas a primeira parte do pacote de privatizações foi divulgado. Prevê transferir 7,5 mil quilômetros de rodovias e 10 mil quilômetros de ferrovias a empresas, por meio de concessões. O governo almeja viabilizar R$ 133 bilhões em investimentos privados nestes dois modais nos próximos 25 anos, sendo R$ 80 bilhões já nos cinco primeiros anos de contrato. É um bom começo, mas ainda muito tímido para o tamanho das necessidades do país. Cabe registrar que ainda não foram divulgadas as intenções oficiais quanto a aeroportos – exceto Brasília, Guarulhos e Viracopos, já privatizados – e portos.

Necessidades superam investimentos
Tomemos, para a presente análise, o caso das rodovias, de longe ainda o modal de transporte predominante no país, com participação de 58% na matriz brasileira, segundo o Plano Nacional de Logística e Transportes. De acordo com o Ipea, apenas para recuperar as condições das nossas estradas seriam necessários investimentos de R$ 37 bilhões ao ano, ao longo de cinco anos. Uma vez recuperada, a malha demandaria mais R$ 20 bilhões anuais para manutenção e outros R$ 8 bilhões para expansão. Ou seja, tudo considerado, são R$ 65 bilhões anuais.

O pacote anunciado por Dilma prevê que os novos concessionários assumam compromissos estimados em R$ 42,5 bilhões na recuperação da malha rodoviária a ser privatizada. Isso ao longo de 25 anos. Como se vê, é quase nada perto da necessidade que o país tem de melhorar sua condição logística. Constata-se que, também por esta razão, é preciso ampliar ainda mais o programa de privatizações das estradas federais.

Até hoje, o governo federal concedeu apenas 4.764 km de rodovias à iniciativa privada. Isso representa menos de 8% da malha sob a responsabilidade da União, de 62 mil km. Quando, em 1993, foi lançado o primeiro programa de concessões rodoviárias do país, a estimativa era de que 13 mil km eram passíveis de privatização, cuja viabilidade baseia-se no fluxo de veículos. Atualizadas, as projeções indicam que 15% das estradas brasileiras poderiam ser pedagiadas, isto é, praticamente o dobro da extensão atual. Há, assim, uma autoestrada a ser desbravada.

Baixa capacidade executiva
A capacidade do poder público de investir em infraestrutura viária tem se mostrado bastante limitada no país. O Brasil está muito distante de outras economias de porte e condições similares à nossa, como as da China e do Chile. Na média, estes países, e nações asiáticas como Vietnã, Tailândia e Filipinas, aplicam em torno de 3,4% de seus PIBs em infraestrutura de transportes, segundo o mesmo estudo do Ipea, publicado neste ano. Especificamente em rodovias, a média é de 1,9% do PIB. Em ambos os casos, é muito mais do que o Brasil tem gasto em suas estradas.

Em 2010, foram investidos R$ 15,3 bilhões – entre gastos públicos e privados – no modal rodoviário brasileiro, o que equivale a apenas 0,4% do nosso PIB. Considerando-se todos os modais, foram R$ 24,8 bilhões, ou 0,7% do PIB. É bastante aquém do minimamente necessário para romper os gargalos que tornam as despesas logísticas um dos principais componentes do custo Brasil e que hoje equivalem a 10,6% do PIB, segundo o Instituto de Logística e Supply Chain (Ilos) – enquanto nos EUA não passam de 8%. Trata-se de um gasto de, aproximadamente, R$ 600 bilhões anuais.

Além de investir pouco, o poder público investe mal. É consenso que, atualmente, o maior problema não é a falta de recursos, que existem de sobra no Orçamento Geral da União. A dificuldade está em encontrar capacidade executiva e de planejamento nos órgãos de governo. Prova disto é que muitos dos trechos rodoviários e ferroviários que agora serão concedidos constavam do
PAC, mas não saíram do papel. O baixo poder de regulação exibido por agências como a ANTT e a Antaq também colaboram para agravar um pouco mais a situação.

Nos dois anos da gestão Dilma, os investimentos em rodovias declinaram, sendo que, em 2012, menos de 25% do previsto foi aplicado até agora. No DNIT, “está tudo errado e 100% dos projetos têm problemas”, como admitiu recentemente o diretor-geral do órgão, Jorge Freixo. Quando se examinam os últimos 11 anos, vê-se que a União simplesmente deixou de aplicar aproximadamente R$ 50 bilhões em rodovias e ferrovias, conforme levantamento feito pela ONG Contas Abertas. A contraparte desta desídia está nas nossas malcuidadas estradas: 30% estão em condições consideradas ruins ou péssimas pela Confederação Nacional do Transporte e somente 12% são pavimentadas.

Ceticismo esperançoso
Definitivamente, realizar as melhorias que o Brasil há muito aguarda para se desenvolver e aprimorar as condições de vida da população não é com o PT. Quando, no governo Lula, o partido optou por privatizar alguns trechos rodoviários, produziu uma lambança nunca antes vista. Passados cinco anos da assinatura dos contratos, apenas 10% das intervenções previstas saíram do
papel. De oito grandes projetos, cinco estão intocados, como as obras na BR-101 em Santa Catarina e no Rio, as duplicações da BR-153, entre Minas e São Paulo, e da BR-393, também no Rio. Nestes trechos, pessoas continuam se acidentando e muitas delas morrendo. Na outra ponta, o modelo de concessão de rodovias à iniciativa privada utilizado em São Paulo resultou nas vias com
mais avançadas condições de tráfego e de segurança do país: 15 das 20 melhores estradas brasileiras estão neste grupo.

É com ceticismo, ainda que com júbilo, que o surto privatista da presidente Dilma Rousseff deve ser recebido. A cautela se justifica: desde 2003, o PT só conseguiu pôr oito concessões rodoviárias de pé. O mesmo governo promete agora viabilizar nove novos contratos num prazo de pouco mais de um ano, sem que, para isso, sequer tenha estudos de viabilidade prontos. Parece improvável que consiga, até porque a resistência de grupos petistas às privatizações mantém-se ativa. A verdade é que estradas concedidas representam mais segurança e mais conforto para os usuários, menores custos e mais eficiência para o país. A distância entre as boas intenções e a realidade ainda se mede em léguas, mas, se prosperar, a retomada das privatizações pode criar no país um desejável ciclo virtuoso que o PT, ao longo de anos, boicotou.

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19/09/2012