“PT versus PT”, artigo do jornalista Ruy Fabiano
Artigo do jornalista Ruy Fabiano publicado neste sábado (13) no Blog do Noblat
* Artigo do jornalista Ruy Fabiano publicado neste sábado (13) no Blog do Noblat
A contradição é inerente ao ser humano, que vive em constante tensão dialética entre o mal e o bem. Não há novidade nessa sentença, que o próprio Conselheiro Acácio assinaria.
Ocorre, porém, que, quando a contradição deixa de ser uma circunstância existencial e se torna um padrão de ação política, algo está errado. O PT, como se sabe, cogitou de ir à Justiça pedir que se proíba o uso do tema do Mensalão na campanha eleitoral.
À parte o absurdo da iniciativa, que revela a índole autoritária do partido – que, diga-se, sempre fez da corrupção alheia, real ou fictícia, o seu discurso político -, age agora em sentido contrário a si próprio. Contradição da contradição.
Senão, vejamos: em sua manifestação após ser condenado por 8 a 2 pelo Supremo Tribunal Federal, como corruptor ativo – e aí não há contradição, já que se trata de alguém que pode ser tudo, menos passivo -, o ex-ministro José Dirceu declarou que não trataria do assunto agora, pois sua prioridade é “eleger Fernando Haddad prefeito de São Paulo”.
Ora, se um condenado pela mais alta corte judiciária do país assume estar envolvido numa causa eleitoral, como pode pretender que sua condição judicial presente seja ignorada pelos adversários?
Antes de mais nada, não há qualquer ilicitude na exploração do tema do Mensalão, em qualquer circunstância, já que se trata de um dado objetivo – e presente – da realidade política brasileira, confirmada à exaustão por sua Suprema Corte.
Mas, mesmo que se tratasse de mera hipótese, ainda no campo das especulações, seria inadmissível apelar à mordaça.
Não há democracia sem liberdade de expressão, sem prejuízo de haver remédios legais contra os que dela se valem para injuriar, caluniar ou difamar. Mas nem é disso que se trata.
O Mensalão já não é uma hipótese. É um fato atestado pela unanimidade do STF. Há um partido responsável, o PT, e uma penca de figuras-satélites – alguns, como o deputado João Paulo Cunha, chegaram a postular cargos na eleição municipal.
Como dissociá-los do prontuário que exibem? Omitir a qualificação que passaram a ostentar a partir do julgamento seria um desserviço ao eleitor, que estaria sendo induzido a erro, supondo estar diante de cidadão ficha limpa.
Por outro lado, se Haddad admite ter Dirceu como cabo eleitoral, está, queira ou não, avalizando sua conduta. Já não se trata de um réu, mas de um condenado – por um largo placar, que o exclui dos eventuais benefícios dos embargos infringentes no STF.
O que se discutirá, na sequência, é a pena que terá, se em regime aberto ou fechado.
As contradições não param aí. O PT considera uma apelação mencionar, em relação a Haddad, sua responsabilidade quanto aos kit gay, promovidos (e pagos com dinheiro público) ao tempo em que era ministro da Educação.
Se os kits fossem de teor benéfico, Haddad deveria ser o primeiro a querer discuti-los em público. Se evita o assunto é porque o sabe insustentável e o quer ver pelas costas: faz parte do passado e o passado não deve constar da campanha.
No entanto, seu cabo eleitoral Dirceu evoca exatamente o seu próprio passado – que sustenta ser glorioso – para confrontá-lo ao veredicto do STF. Em resumo, só se deve apelar à história pessoal se essa servir de contraponto a algo adverso do presente.
Eis aí a contradição como método de ação política. O mesmo partido que acusa o STF de não ser transparente ao julgar o Mensalão, atribui ao televisionamento ao vivo das sessões a causa dessa deficiência. Ou seja, a transparência (o televisionamento) seria a causa da falta de transparência do julgamento.
E por aí vai, deixando um claro recado: em política, coerência quase sempre é um adversário. E viva a contradição.