“Relação deteriorada”, artigo de Beto Richa
Artigo do governador do Paraná, Beto Richa (PSDB)
Artigo do governador do Paraná, Beto Richa (PSDB), publicado no jornal Gazeta do Povo
Foi muito oportuna a reunião entre os governadores e os presidentes do Senado, Renan Calheiros, e da Câmara Federal, Henrique Eduardo Alves, para que se tenha um amplo entendimento nacional e dele resulte o inadiável e novo pacto federativo.
A relação republicana entre estados e municípios e o governo federal, princípio elementar da boa convivência democrática e base da administração pública eficiente, vem se deteriorando a passos largos.
A concentração dos recursos arrecadados no cofre federal e a cobrança de juros extorsivos das dívidas estaduais e municipais transformaram, ao longo dos anos, governadores e prefeitos em pedintes e dependentes da boa vontade de Brasília. E a União assume o papel de agiota, que manipula as remessas estaduais e municipais a seu bel-prazer e a favor de seus interesses.
Governadores e prefeitos de todo o Brasil vivem essa realidade que deturpa uma conquista fundamental da sociedade brasileira, o chamado pacto federativo. Quando o governo federal concentra tamanho poder sobre a arrecadação – riqueza produzida pela população brasileira -, inviabiliza o planejamento público nos outros entes da federação e faz cortesia com o chapéu alheio: promove renúncia fiscal para incentivar o setor produtivo com tributos como o IPI, por exemplo, e completa a esperteza ao criar contribuições sociais ao invés de impostos, porque assim está dispensado de compartilhar a arrecadação. Os estados e municípios são prejudicados duas vezes, inclusive pela perda de autonomia.
Esse conjunto tem efeito dominó. Hoje, a União concentra 70% da receita nacional. Diante de concentração tão evidente, como governar, ter ações eficientes, otimizar recursos, promover o desenvolvimento e o bem estar dos cidadãos brasileiros, sem a devida e justa contrapartida ao seu trabalho?
As despesas do Estado e dos municípios com programas, ações e serviços que são da competência da União consomem uma razoável fatia das suas receitas. As ações e responsabilidades são cada vez maiores, enquanto os repasses federais encolhem.
Exemplo disso: há dez anos, 70% da prestação dos serviços básicos de saúde tinham investimentos da União. A situação se inverteu e cabe aos municípios e ao estado bancar essa conta. Hoje, o governo federal só se responsabiliza por 30% dos investimentos em saúde pública.
Chegamos a essa situação, depois de ver que, na regulamentação da Emenda 29, que prevê investimentos mínimos de 12% e 15% em saúde para estados e municípios, o governo federal vetou o artigo que previa investimento mínimo de 10% das receitas por parte da União.
Nesse ano, o Paraná bateu novamente recordes de produção agrícola. Mas a grande contribuição desse vigoroso setor ao PIB nacional, infelizmente, não faz o Paraná credor de estradas federais que melhorem as condições de escoamento da safra.
Lembro outra situação sobre meu Estado: os R$ 9 bilhões que o Paraná deve à União diminuem, de cara, 15% da capacidade de endividamento do Estado e se refletem também na Lei de Responsabilidade Fiscal. O Paraná devia R$ 5 bilhões. Já pagou R$ 10 bilhões e continua devendo outros R$ 9 bilhões.
Os estados brasileiros deviam, em 2010, R$ 430 bilhões de uma dívida original que, em 1998, era de R$ 94 bilhões. Os estados já pagaram R$ 170 bilhões desta dívida, quase 100% do valor original, mas ainda devemos R$ 430 bilhões. Isso significa que os estados têm comprometido de 11% a 15% de sua renda, com o agravante de que cada contrato é diferente.
Quando da realização dos contratos, foi usado como índice de referência o IGP-DI. No período de 1998 a 2010, o IGP-DI, mais 6% ao ano, teve um soma de 471% de juros. Se o indexador fosse a Selic, no mesmo período, teríamos 273% e, se usássemos a taxa da caderneta de poupança, não passaríamos de 170%. Ou seja, a União tem se comportado como um verdadeiro agiota dos estados.
As dificuldades são gerais, tanto para estados como para municípios. Junto com governadores e as respectivas bancadas federais estamos na busca de caminhos para recuperar nossa autonomia. A mudança de critérios dos Fundos de Participação dos Estados e Municípios é um deles. Influir na legislação de interesses dos estados é outro caminho. Mas nada disso será viável se a própria União não se convencer que é preciso trocar o papel de agiota pela função republicana, que é seu dever constitucional.