“Setor elétrico: boa intenção mal executada”, editorial do Correio Braziliense
* Editorial do jornal Correio Braziliense publicado na edição desta segunda-feira (17)
A histórica intervenção do governo no setor elétrico — a mais recente delas deflagrada em 11 de setembro, durante cerimônia no Palácio do Planalto, com impacto financeiro só detalhado semanas depois — pode também ser considerada um divisor de águas na relação entre o Estado brasileiro e a iniciativa privada. A decisão é passível de entendimento como primeira estratégia de caráter estrutural para enfrentar a crise internacional e acelerar o crescimento da economia — ao visar reduzir a conta de luz, um custo generalizado da atividade produtiva —, mas acabou emitindo sinais negativos ao mercado.
A presidente Dilma Rousseff avisou em rede nacional de tevê, na véspera do 7 de Setembro, que adotaria medidas combinando a redução de encargos setoriais e a fixação de novos termos para a renovação de concessões do setor, por mais 20 ou 30 anos. O alvo foi a redução média de 20% nas tarifas, antigo pleito da indústria brasileira para conter a sua crescente perda de competitividade.
Mas a imposição de um cronograma apertado para as empresas envolvidas assinarem os novos contratos, sem negociar os termos, revelou a opção pelo crivo do pegar ou largar. Resultado: os investidores reagiram mal e outros setores passaram a temer revisões de patrimônio e rendimento. Para piorar, os que decidiram não aceitar as condições impostas, observando prerrogativas legais e defendendo interesses de acionistas minoritários, deixaram claro como o modo de condução pode contaminar uma transição tida como positiva e de ampla convergência de opinião.
A Medida Provisória (MP) nº 579 colocou mudanças em vigor desde 11 de setembro, autorizando a prorrogação de contratos de distribuidoras e, sobretudo, geradoras e transmissoras de energia elétrica que venceriam de 2015 a 2017. Também fixou novas regras de compra de energia e diminuiu o peso dos encargos setoriais para abaixar o preço final ao consumidor. Mas seus efeitos mais sentidos até agora foram verificados no mercado acionário, com forte perda de valor das concessionárias, particularmente da Eletrobras.
Com a perspetiva de aprovação definitiva da polêmica MP esta semana pelo Congresso, consolida-se a reorganização do setor elétrico dentro de bases menos onerosas. As dúvidas são se as empresas terão a capacidade de investir o montante necessário e como o país vai superar os receios dos investidores internacionais. Os investimentos diretos, considerados saída segura para o país superar os índices medíocres da expansão do Produto Interno Bruto (PIB) verificados em 2011 e 2012 sofreram um duro golpe quando a confiança em regras de concessões foi colocada em suspeição.
Quando definiu o cálculo das indenizações para as geradoras e transmissoras, o governo usou a metodologia conhecida como valor novo de reposição, que remetia para os custos atuais o quanto as empresas gastaram no momento de construir seus ativos. Se no campo das intenções o consenso é geral, a fórmula e os métodos adotados são fonte de discórdia.