Gustavo Franco: “Não existe uma guerra cambial”

“Se o governo tivesse feito as reformas, o Real forte não estaria machucando a indústria”

Acompanhe - 16/11/2010

“Se o governo tivesse feito as reformas, o Real forte não estaria machucando a indústria”

Brasília (16) – Terminada a reunião dos presidentes das 20 maiores economias do mundo – o G20 – a conclusão foi a de que o encontro não produziu resultados concretos para aliviar as tensões geradas pelo câmbio no mercado internacional.

Integrantes da comitiva do presidente Lula, a presidente eleita, Dilma Rousseff, e o ministro da Fazenda, Guido Mantega, perderam a oportunidade de ficarem calados no encontro. A opinião é do ex-presidente do Banco Central, Gustavo Franco. Segundo ele,  “no âmbito do G20, principal foro da diplomacia econômica internacional, a arrogância não tem como se sustentar.”.

A imprensa internacional deu destaque à declaração de Dilma de que o mundo vive uma guerra cambial. Na mesma linha, o ministro Mantega propôs que o dólar deixe de ser referência para as transações internacionais e não poupou críticas ao governo dos Estados Unidos, que estão injetado US$ 600 bilhões no mercado com efeitos na economia mundial. “É uma tolice queixar-se desse programa”, argumenta Franco.

No Brasil, o dólar despenca. Para os brasileiros que querem viajar para  o exterior, é muito vantajoso. Mas, por outro lado, a indústria de exportação sofre prejuízos porque o produto vendido lá fora fica mais caro. Franco lamenta que o governo Lula não tenha feito reformas importantes pois, segundo destaca,  “o fortalecimento do Real não estaria machucando tanto a nossa indústria”. Franco concedeu entrevista ao site do PSDB. Veja a íntegra:

– É verdade que o mundo está vivendo uma guerra cambial?

GF – O termo “guerra cambial” é uma invenção da mídia, e do nosso ministro da Fazenda, que considero inadequada pois introduz tensão política desnecessária num problema de coordenação macroeconômica internacional. Nos anos 30 ocorreram “desvalorizações competitivas” em países deixando o padrão ouro. Hoje, o mundo vive sob câmbio flutuante, nenhum país é capaz de controlar sua taxa de câmbio, ainda mais usa-la como “arma de guerra”

– O que a desvalorização do dólar frente ao real reflete? A questão é, de fato, cambial? Ou é conseqüência de reformas que não foram feitas?

GF – Reflete o fato de que a economia brasileira tem se fortalecido ao longo do tempo, ainda em razão da estabilização e do mix de políticas econômicas ali estabelecido, e posteriormente amadurecido na tríade “câmbio flutuante-superavitprimário-metas de inflação”. A economia fica mais sólida, a moeda fica mais forte. Se prosseguíssemos fazendo reformas e cuidando de reduzir o “custo Brasil”, o fortalecimento do Real não estaria machucando tanto a nossa indústria.

-Qual medida teria maior impacto negativo na economia brasileira e de outros países emergentes: a colocação de US$ 600 bilhões no mercado americano ou o aprofundamento da crise americana?

GF – É claro que a pior coisa que poderia acontecer com a economia global seria os EUA descaírem para algo parecido com a Grande Depressão. Eles conseguiram evitar essa trajetória com outras “tranches” como essa – de US$ 600 bilhões – de compras de papeis públicos e privados pelo FED (o Banco Central dos Estados Unidos). Eles estão fazendo a parte deles para consertar a economia global; é uma tolice queixar-se desse programa.

– O senhor concorda com o ministro Guido Mantega que disse que os Estados Unidos afetariam menos o mercado mundial se o dólar fosse substituído por um “mix”/ cesta de moedas como referência para a economia internacional?

GF – O ministro perdeu mais uma oportunidade de não se pronunciar. Se realmente acreditasse no que está dizendo as reservas internacionais brasileiras não estariam 100% aplicadas em ativos denominados em dólares

– Do ponto de vista do Banco Central dos Estados Unidos (Federal Reserve), a operação dos US$ 600 bilhões está correta?

GF – Sempre se poderá discutir se US$ 600 bilhões é o número certo, se não seria necessário mais, e se não seria melhor adquirir papeis privados que públicos. Mas a direção está correta, seria difícil argumentar em contrário.

– Quando justifica os US$ 600 bilhões dizendo que é mais importante, para todos, a recuperação da economia americana, o presidente Barack Obama está correto?

GF – Creio que sim. E mais: o enfraquecimento do dólar ajuda a reduzir o gigantesco déficit no balanço de pagamentos americano, o que só pode fazer bem à economia global.

– O senhor considera que o Brasil tem tratado os Estados Unidos e outros países ricos com hostilidade / arrogância? No que este tipo de postura pode prejudicar o País?

GF – Sim, acredito que o Brasil tem conduzido a sua política externa de forma distante das suas tradições, especialmente ao tomar como objetivo a exposição na mídia e um antagonismo tolo com relação aos EUA. Isso se reproduz em menor escala no domínio econômico, embora com danos pequenos. No âmbito do G20, principal foro da diplomacia econômica internacional, a arrogância não tem como se sustentar.

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16/11/2010