Entrevistas
“É meu papel ter posição de independência“
BRASÍLIA – Eleito há quase dois meses para a presidência da Câmara, Aécio Neves (PSDB-MG) garante que agirá com independência e não assumiu o cargo para ser subserviente ao Palácio do Planalto. “Não serei o líder do governo na presidência da Câmara, serei o presidente da instituição“, afirma. Para ele, sua vitória representa o fim de uma era marcada pelo “caciquismo“, quando os presidentes da Casa chegavam ao cargo por acordos políticos.
Aécio diz ainda que sua eleição é a responsável pela unidade do PSDB e melhoria do “status quo“ da aliança dos partidos que sustentam o governo de Fernando Henrique Cardoso. “Sou o pivô da unidade no PSDB e, em uma crise como agora, se ainda tivéssemos o PSDB fragilizado, as coisas seriam mais graves“, afirma.
Disposto a manter sua independência do governo, Aécio sinaliza que vai dar trabalho a Fernando Henrique, defensor da privatização da hidrelétrica de Furnas. O parlamentar critica a posição do presidente, ao dizer que considera “uma imprudência“ a venda da “menina dos olhos“ dos mineiros.
Herdeiro político do avô e ex-presidente Tancredo Neves, Aécio esquiva-se de revelar seus arrojados projetos eleitorais, sem admitir publicamente que é pré-candidato ao governo de Minas. Concentra-se em fazer uma gestão que lhe dê mais projeção política e visibilidade nacional.
Estado – O senhor acha que a crise política entre os partidos da base aliada vai se arrastar até o fim do governo Fernando Henrique ?
Aécio Neves – Não, porque ela é uma crise conjuntural e não estrutural. Faz parte de uma disputa de espaço e não de uma divergência profunda na base. É uma crise que nasce de uma divergência pessoal, mal solucionada, que acabou contaminando a base do governo. Mas é superficial, porque não há razões de fundo para que os partidos que hoje estão na base deixem de apoiar o governo. As razões que os levaram a apoiar o governo lá atrás continuam ainda existindo.
Estado – Essa crise reflete a disputa entre os partidos para as eleições presidenciais?
Aécio – Em primeiro lugar, acredito que todos os partidos trabalham com a perspectiva de estarem juntos em 2002, cada um buscando uma melhor posição nesse condomínio. Mas, todos os partidos também pensam em outra alternativa, que é ter candidato próprio. E o PSDB, que
não é ingênuo, também avalia a possibilidade de ter um caminho solo nesse processo. O mais importante agora é o PSDB definir um projeto. É uma ilusão acharmos que é possível paralisar a discussão do processo sucessório.
Estado – A aliança ainda é vital para aprovar projetos importantes nesses dois últimos anos de mandato de Fernando Henrique?
Aécio – A sociedade precisa da aliança para votação de determinadas matérias relativas à questão política e tributária. Não vejo mais o governo se mobilizando como foi no passado, no caso da reforma administrativa e previdenciária. A Câmara, mesmo no momento mais agudo da crise, não deixou de votar matérias importantes. Em 40 dias que estou na presidência da Câmara, votei 26 projetos, a maioria deles de iniciativa dos parlamentares.
Estado – O senhor não teme desagradar ao Planalto com a votação, prevista para o dia 25, da emenda que limita o uso de medidas provisórias?
Aécio – É um compromisso meu de que proposta será votada. Vai estabelecer um paradigma novo no Poder Legislativo e será o início de um equilíbrio real entre os poderes. A autonomia da Câmara não será construída com discursos apenas e sim com sua iniciativa de legislar. Vou ter uma relação de parceria com o Executivo nas questões que forem de interesse do País. E não deve ser visto como um confronto ou como uma afronta quando, eventualmente, a Câmara estiver discutindo ou aprovando uma matéria que o governo tem uma posição divergente.
Estado – Um dos motivos para a crise na base aliada foi a aliança entre o PSDB e o PMDB, que permitiu sua eleição para a presidência da Câmara. O senhor se sente pivô dessa crise?
Aécio – Essa crise existe em função de uma disputa entre duas personalidades (os senadores Antonio Carlos Magalhães e Jader Barbalho). A minha eleição é um fator de estabilidade: depois de muito tempo, a Câmara escolheu seu presidente pela sua vontade. Acabou o tempo do caciquismo, unção pura e simples de candidatos que interessassem circunstancialmente a governos ou a outras forças políticas. O que a minha vitória pode representar é a perspectiva do PSDB retomar o comando de determinadas ações e passar a ter uma influência mais decisiva em determinadas ações do governo. O PSDB é o partido que mais unidade tem demonstrado. E, modestamente, acho que sou o pivô da unidade do PSDB.
Estado – O senhor, então, não se sente com compromisso com o governo por sua eleição ter desestruturado a aliança?
Aécio – Acho que mudei para melhor o status quo da aliança. Nós fizemos valer o direito legítimo de um partido, que hoje foi o PSDB e amanhã pode ser outro. O compromisso que tenho com o governo é da crença que este governo vai deixar o Brasil em melhor condição do que aquele que ele herdou. Mas a minha responsabilidade hoje é de agir como presidente da Câmara. E como tal tenho o compromisso com os avanços para o País e não vejo como surpresa se, eventualmente, eu divergir de algumas posições de setores do governo. É o meu papel ter uma posição de independência. Não deixarei de ser do PSDB, de dar minha solidariedade pessoal ao governo. Mas não serei o líder do governo na presidência daCâmara; serei o presidente da instituição.
Estado – O PSDB foi o “patinho feio“ da aliança no governo Fernando Henrique?
Aécio – O PSDB cedeu, conscientemente, durante seis anos para a manutenção do equilíbrio da aliança e fez isso porque era fundamental que as reformas ocorressem e nosso projeto fosse viabilizado. Pagou um preço alto: a perda de espaço e, em determinados momentos, a perda de identidade. No Legislativo, passou quase seis anos sem participar do jogo parlamentar. Minha candidatura significou que era importante que o partido tivesse uma posição mais afirmativa. Em uma crise como agora, se ainda tivéssemos o PSDB fragilizado e dividido, as coisas seriam muito mais graves. O PSDB é hoje vital para o governo.
Estado – O senhor é aliado do governo, mas é contra a privatização de Furnas…
Aécio – Tenho uma posição crítica ao modelo de privatização do setor energético. Optamos por um modelo de venda de ativos sem que agregássemos um megawatt novo de energia. Acho que esse modelo de pulverização, agora defendido pelo governo, pode ser o adequado. Mas discordo da cisão da empresa, porque ela se fragiliza como instrumento de alavancagem de novos investimentos, e do timing da privatização. Fazer esse processo no momento de demanda crescente de energia, de ofertas em declínio até em função da questão climática e antes de estabelecer os marcos reguladores pode ser uma imprudência.
Estado – O senhor vai agir para impedir a privatização de Furnas no atual governo?
Aécio – Não farei disso um cavalo de batalha. Mais do que estar no fim do governo, nós temos carência de energia.
Estado – Seu próximo passo é concorrer ao governo de Minas ?
Aécio – Eu não penso em ser governador de Minas, por enquanto. Se vier a ocorrer, será porque as circunstâncias me levaram a isso.