Entrevistas

“Não me preparei na vida para enfrentar factóides“

Na noite de sexta-feira, o candidato do PSDB à Presidência, senador José Serra (SP), reagiu com espantosa calma à notícia de que o nome mais cotado no PMDB para ser seu vice estava descartado. A denúncia de que o deputado Henrique Eduardo Alves (RN) teria contas em três paraísos fiscais e uma movimentação bancária muito superior a seus rendimentos provocou imediata reação do presidente do PMDB, deputado Michel Temer (SP), abrindo espaço para alguém da preferência de Serra. Apesar do favoritismo da deputada Rita Camata (ES), ele diz que a escolha é do PMDB.

Em entrevista exclusiva ao Estado, o candidato manifestou simpatia pela escolha de uma mulher, “Seria um fator importante“, admitiu.

Ele também criticou o PT por não praticar o que prega e defender propostas contra as quais sempre lutou. Lembrou que o mesmo PT, que hoje defende a Lei de Responsabilidade Fiscal, já brigou no Congresso e entrou no Supremo Tribunal Federal (STF) contra o rigor da legislação.

Serra sugere a quem vê semelhanças entre as propostas apresentadas pelos demais candidatos: “Se os cavalos parecem iguais, então vamos olhar para os jóqueis.“ Sobre as denúncias que envolveram seu nome no processo de privatização da Companhia Vale do Rio Doce, ele desabafa: “Eu me preparei muito na vida para muitas coisas, mas não para enfrentar factóides.“ A seguir, os principais trechos da entrevista:

Estado – O senhor disse que vai colocar todos os seus defeitos a serviço do País. Quais são esses defeitos?

José Serra – A sugestão foi de um amigo. Ele disse que eu deveria colocar meus defeitos a serviço do País. Creio que ele se referia à obstinação e à teimosia (que demonstro) quando estou atrás de objetivos de governo e à antipatia em relação aos interesses oligárquicos, em relação aos laboratórios que praticavam preços abusivos sobre medicamentos ou, até, em relação à indústria do cigarro. Naturalmente ele se referia à vida pública.

Estado – Dizem que o sr. tem outros defeitos. Tem fama de centralizador, de…

Serra – Não sou centralizador, sou acompanhador. No Ministério da Saúde acompanhava tudo sem necessidade de anotar, mas sempre deleguei muito e sempre formei equipes.

Estado – Acham, por exemplo, que em vez de fazer campanha o sr. se preocupa em administrar a campanha.

Serra – Não é isso. É que quando há um vazio eu não tenho dúvida em preenchê-lo. Quando tudo funciona, não tenho dúvida em delegar.

Estado – Seus conselheiros de campanha acham que o senhor fica muito em Brasília.

Serra – Eu não fico tanto em Brasília. Sou um senador, preciso ir lá. Eu tenho alguns convites para ir aos Estados Unidos e estamos vendo se é possível ajustar as agendas.

Estado – O senhor vai falar para investidores?

Serra – Não apenas para investidores. Além disso, o que tinha de dizer para investidores, eu disse na reunião do Banco Mundial em março. O ponto de partida para o nosso programa econômico é a manutenção do tripé câmbio flutuante, responsabilidade fiscal, metas de inflação. Isso é a casa arrumada. A partir daí é que as demais políticas deverão ser implantadas.

Estado – Um tripé que não difere em nada do tripé do ministro da Fazenda, Pedro Malan.

Serra – É coerente com a atual política do governo. Aliás, eu sempre defendi a idéia de câmbio flutuante e a própria Lei de Responsabilidade Fiscal obedecia a um mandamento constitucional que eu introduzi na Constituinte e as metas de inflação me parecem um instrumento bastante adequado.

Estado – Onde estão as diferenças entre o senhor e o ministro Malan?

Serra – Neste momento, existe essa identidade. Há outras questões que extrapolam o Ministério da Fazenda. Há muito folclore a esse respeito. Havia diferenças com relação à política cambial. Isso não era debatido publicamente, mas não era segredo. Mas hoje a política cambial tem a minha aceitação.

Estado – Não há diferenças também na questão da política industrial? A equipe econômica não a considera sinônimo de protecionismo?

Serra – Hoje temos uma economia aberta, um Estado produtor menos forte do que no passado, e a substituição de importações, que é necessária, não vai ser feita nos padrões anteriores de reserva de mercado e tarifas siderais. Isso não significa que ela não possa ser feita.

Estado – Como seria sua política de exportações?

Serra – Exportações exigem uma prática de governo mais agressiva, um ativismo governamental maior. O Instituto de Comércio Exterior da Itália tem no Brasil de 30 a 40 italianos e brasileiros só para trabalhar para exportações italianas. Isso é um exemplo de ativismo governamental. Outra questão é o comércio internacional. Hoje o foco do protecionismo está nos países da OCDE – Europa, EUA e Japão. O Itamaraty continuaria tendo a importância que tem, só que as questões de comércio exterior seriam centralizadas no Ministério do Comércio Exterior. Nós temos hoje uma pulverização do aparato institucional do comércio exterior. Não podemos ficar sentados esperando que o mercado resolva o problema comercial porque não vai resolver.

Estado – Quando se fala em política industrial, pensa-se logo em favorecimento, subsídio, ajuda do governo…

Serra – Comigo não. Eu sempre fui associado à austeridade fiscal. Há pessoas que imaginam que se resolve um desequilíbrio externo pela livre operação das forças de mercado e com um governo inerte. Isso é inviável. Precisamos ter um governo atuando para corrigir falhas do mercado.

Estado – O senhor é o candidato do governo ou é o candidato do governo “ma non troppo“…

Serra – Não é isso. Sou o candidato do governo, mas sou também o candidato da mudança. Existe alguma incompatibilidade? Nenhuma. Aliás, o presidente Fernando Henrique me apóia por causa disso. O Brasil está no rumo certo, mas dentro desse rumo precisamos acelerar e continuar mudando. A população não quer, como dizem os espanhóis, “más de lo mismo“. O próprio presidente chamou de “mesmice“.

Estado – De quais mudanças o senhor está falando? O que é essa mudança?

Serra – Mudança é ter políticas mais agressivas, mais ativismo em matéria de comércio exterior e de indústria. É dar impulso muito maior do que o que houve até agora em matéria de habitação e saneamento. É uma ação mais forte do governo federal na área de segurança pública.

Estado – O que o governo federal pode fazer nessa área?

Serra – O governo pode fazer muito na área que constitui a base do crime organizado, que é o contrabando de armas e de drogas. Isso é tarefa para o governo federal, daí minha idéia de criar uma Polícia Militar federal. Só que para que não se tenha a dualidade que existe hoje nos Estados, haveria um comando único.

Estado – Como essa política de segurança funcionaria?

Serra – Minha idéia original era criar uma guarda nacional. Só que iria repetir a dualidade que todos acham inconveniente entre Polícia Civil e Militar. Ao mesmo tempo, temos de ter uma área de inteligência para valer. Não há um banco de dados de impressões digitais – nem nos Estados nem na esfera federal. Isso nós vamos fazer. Nem que tenha de fazer uma nova carteira de identidade para toda a população. Também os municípios têm de entrar no assunto. A responsabilidade principal ainda tem de ser dos Estados, mas a União e os municípios podem entrar muito mais. Primeiro tem de querer, segundo tem de ter condições. E, por mais que demore, vamos fazer um sistema de classificação de Estados e municípios em matéria de segurança.

Estado – O senhor acha que a segurança foi o grande fracasso do governo Fernando Henrique?

Serra – Não foi um fracasso porque não era atribuição, não era da tradição do governo federal fazer isso. Você não pode imaginar que um governo vai fazer tudo, cumprir todas as tarefas todo o tempo. Até porque toda vez que se resolve um problema aparece outro. Cada coisa tem seu tempo. E determinadas prioridades você só percebe ao longo do tempo. Para determinadas prioridades você não consegue juntar forças. E, às vezes, num determinado governo, você não tem mais condição de iniciar coisas novas, de grande envergadura, ao lado de outras que você já está fazendo.

Estado – A impressão que se tem é de que todos os candidatos apresentam propostas muito parecidas. Qual é a diferença fundamental entre as propostas do sr. e as do PT?

Serra – Idéias, hoje, se terceirizam. Não se pode caracterizar as diferenças apenas pelas idéias, embora elas existam. O Luiz Inácio Lula da Silva, por exemplo, apresentou uma proposta sobre Imposto de Renda da pessoa física que dá a idéia implícita de que é possível fazer justiça social com o imposto. É irrealismo. Se os cavalos parecem iguais, então vamos olhar para os jóqueis. Vamos ver o currículo de cada um, o que o candidato fez no passado. O Lula perguntou se eu era candidato do governo ou da oposição. Para mim não há contradição alguma entre ser candidato do governo e da mudança. No caso do PT, a contradição é de outra natureza. É entre o que o PT diz na TV e a prática. A Lei de Responsabilidade Fiscal é um mandamento que eu introduzi na Constituição.

Estado – Mas o PT jura fidelidade total à Lei Fiscal.

Serra – Isso ficaria comprovado se eles fossem ao Supremo retirar a representação contra a Lei Fiscal. O fato é que os partidos de oposição foram contra, no Congresso e no STF. Quais são os requisitos para governar o Brasil? Ter vontade política, competência e persistência e obstinação.

Estado – Mas primeiro é preciso chegar à Presidência. O caminho é longo e penoso até lá, e as propostas do Lula, autênticas ou não, o colocam neste momento no topo das pesquisas…

Serra – Falta muito tempo para as eleições, temos quatro meses e meio até lá. Todos os institutos de pesquisa indicam que a maioria das pessoas ainda não se decidiu. A volatilidade é muito grande. O fato é que o processo eleitoral brasileiro, na fase da redemocratização, está enfrentando duas doenças: o antecipacionismo e o pesquisismo. O primeiro, gera notícia. O segundo, também. Na França, o Jospin (Lionel Jospin, ex-primeiro ministro) era o primeiro nas pesquisas 40 dias antes. Três dias antes, era o segundo. No fim, foi o terceiro. A campanha no Brasil vai começar, mesmo, depois da Copa.

Estado – O sr. disse que gostaria de ter um vice que não precisasse explicar nada. Desistiu o primeiro e o segundo candidato a vice acaba de…

Serra – Jarbas Vasconcelos (governador de Pernambuco, do PMDB) não desistiu propriamente, até porque ele não tinha dito que seria de verdade. Mas, por questões locais, ele acabou ficando em Pernambuco. Isso também antecipou a questão do vice. Dos outros partidos ninguém falava. Aliás, ninguém está prestando muita atenção no vice dos outros. Agora, Henrique Alves não foi indicado vice pelo PMDB. Ele era um dos nomes aventados.

Estado – Isso mostrou que o senhor tinha alguma razão ao resistir ao nome dele?

Serra – Não, eu não resisti ao nome do Henrique alegando o fato de que ele tinha problemas. O PMDB não fez a indicação de um nome e deve fazer nesta semana. Isto era o combinado. Apesar de alguns dizerem que já havia decisão em torno do Henrique, se havia, eu não tomei conhecimento.

Estado – O senhor era indiferente ao Henrique Alves ou tinha restrições?

Serra – Para mim é muito delicado começar a me pronunciar sobre possíveis candidatos do PMDB. É uma prerrogativa do PMDB. Mas o PMDB tem critério também. Temos uma relação política de aliança.

Estado – Mas o senhor também não tem temperamento para ouvir uma coisa que o contrarie e não dizer nada…

Serra – Enfim, julgamentos sobre meu temperamento são muito subjetivos. Eu às vezes ouço coisas a meu respeito, muito interessantes, e fico até surpreso com determinadas características que eu teria. Posso dizer que, ao contrário do folclore, sou bastante bem-humorado. Então, às vezes eu me divirto muito com características que me atribuem.

Estado – Uma mulher como a Rita não seria interessante para vice?

Serra – Uma mulher, sem dúvida, seria um fator importante. Não é a única possibilidade… De alguma maneira, expressaria muito bem o avanço do papel da mulher na nossa sociedade. Não estou querendo dizer que deva ser a deputada Rita Camata (ES). É um dos nomes aventados, mas teria outras possibilidades.

Estado – O senhor ficaria feliz se fosse indicada a Rita Camata?

Serra – A partir daí, você pode perguntar sobre uns dez nomes e aí eu estaria aqui já interferindo no PMDB. Essa é a minha resposta. Eu sempre me dei muito bem com a Rita.

Estado – Nizan Guanaes começou a atuar na sua campanha agora. O que muda?

Serra – Ele começou a atuar mais a pleno vapor, porque colaborou estreitamente com o primeiro programa, do começo de março. A idéia de que o Nizan não tinha nada a ver e agora aterrissou não é verdadeira. Ele é uma personalidade extraordinariamente criativa. E vai ajudar muito na campanha. Ele tem uma idéia que é a mesma que eu tenho – tenho de me mostrar como sou. Não funciona outra forma de ser.

Estado – E a idéia de que o senhor iria colocar todos os defeitos a serviço do País? Também foi idéia do Nizan?

Serra – A idéia não foi do Nizan. Olha, quer pôr meus defeitos? Teimosia, antipatia contra quem é antipático ao interesse público, viciado em trabalho, coisas do tipo. Franqueza. As pessoas dizem que é difícil trabalhar comigo, mas que o resultado é bom.

Estado – Mas dizem que não acaba nunca…

Serra – É verdade. Eu não apago antes de resolver problema. São meus defeitos. Durmo pouco.

Estado – Toda quinta-feira vamos ouvir boatos sobre o que sairá nas revistas. O senhor se preocupa com isso?

Serra – Não. São os factóides. O que é mais difícil nessa campanha são os factóides. Eu me preparei muito na vida para muitas coisas, mas não para enfrentar factóides. É muito difícil. Por exemplo, que existia a probabilidade de a candidatura ser trocada. Isso é um factóide. A probabilidade era zero. No entanto, ocupou a imprensa.

Estado – Ricardo Sérgio é um factóide?

Serra – Na questão que me envolve é um factóide completo. Que queiram investigar coisas sobre Ricardo Sérgio é dever fazer isso. Em relação a ele ou quaisquer outros. Agora, tentar me envolver diretamente é factóide.


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28/04/2014