A coragem exemplar do ministro

Notícias - 16/08/2001

Quem acompanhou, com isenção de ânimo, o depoimento do ministro da Fazenda, Pedro Malan, sobre o novo acordo do governo com o Fundo Monetário Internacional (FMI), na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, não pôde deixar de se impressionar com a fundamentação dos seus argumentos, a disposição de assumir a ofensiva no debate com os parlamentares oposicionistas, em especial do PT – e, sobretudo, a coragem de sustentar intransigentemente a orientação seguida, sem desvios, pelo governo do presidente Fernando Henrique, que atravessa uma fase de grande impopularidade e quando, segundo as pesquisas, a maioria dos brasileiros faz restrições à política econômica que ele e o presidente entendem ser a mais adequada ao interesse nacional.
À parte a flagrante superioridade intelectual do ministro em relação aos senadores que o sabatinaram – que há de ser reconhecida mesmo por aqueles que discordem de suas idéias -, é simplesmente excepcional, no sentido literal do termo, ver um membro do governo demonstrar tamanha convicção de que o Planalto está certo, e a oposição errada, no que toca à essência da discussão eleitoral já em curso. Ciente de que a sua atitude é incomum, ele próprio tomou a iniciativa de comentá-la, em dado momento da argüição. “Eu tenho feito algo que sei que está fora de moda. Eu sei que o pessoal considera que está fora de moda defender o governo Fernando Henrique. E eu tenho feito isso“, ressaltou. “Eu nunca fui de modismos.“ Vistam a carapuça os colegas de gabinete a quem parece faltar o desassombro de Malan.
Reiterando pela enésima vez não ser candidato a presidente da República, o ministro, “como ministro“, não perdeu oportunidade de desafiar o PT, pondo em xeque tanto as sucessivas declarações trêfegas do seu virtual candidato Lula da Silva, quanto as posições oficiais do partido, tomadas em dezembro passado por sua executiva nacional, contra a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e pela “inviabilização“ do atual governo. Um político experiente não faria melhor do que Malan ao fustigar os seus adversários em duas frentes.
Numa, expondo, a “leviandade“, como disse, da acusação de Lula, segundo a qual o governo teria se comprometido a privatizar o Banco do Brasil (BB), a Caixa Econômica Federal (CEF) e a Petrobrás, em troca da nova ajuda do FMI.
Na outra, cobrando nitidez de intenções de um partido cujo candidato diz que quer se eleger para fazer exatamente o contrário do que tem sido feito por Fernando Henrique, enquanto outras lideranças suas adotam um tom mais vago e ambíguo, notadamente diante de uma questão delicada como o tratamento a ser dado à dívida externa e interna.
Nessa cobrança – um modelo de argumentação que deveria inspirar os dirigentes dos partidos governistas e o seu futuro candidato presidencial -, Malan começou por afirmar que só os fundamentalistas de mercado acreditam na falácia de que o Estado deixou de ter importância central na ordem das coisas. Longe disso, sustentou o ministro, os pressupostos indispensáveis de uma economia de mercado sadia dependem da capacidade do setor público de criar e consolidar, no plano institucional, normas duradouras que não oscilem ao sabor da alternância dos partidos no governo, constitutiva dos sistemas democráticos. Tais normas – que já deixaram de ser matéria sujeita a controvérsia ou a alinhamentos ideológicos nos países com os quais o Brasil quer se equiparar – se relacionam com o controle da inflação, racionalidade fiscal e tributária e orçamentos sustentáveis. E lembrou à oposição que para o Brasil há dois conjuntos de letras muito mais importantes que FMI: LRF e LDO, referindo-se às Leis de Responsabilidade Fiscal e de Diretrizes Orçamentárias. O PT, insistiu o ministro, precisa mostrar inequivocamente ao eleitorado se compartilha ou discorda dessa concepção.
Malan não foi menos incisivo ao cobrar das oposições respeito à verdade dos fatos em relação às mudanças ocorridas no Brasil nos últimos anos. Há, efetivamente, um manifesto componente de má-fé por parte daqueles que, no debate público, sugerem que a era Fernando Henrique representou um retrocesso, sobretudo do ponto de vista social. Dá-se habitualmente a entender que “o passado sempre foi melhor“, para citar o célebre ditado argentino, como se o atual governo tivesse posto abaixo qualquer coisa parecida com um hipótetico “Estado do Bem-Estar“. Pois o ministro da Fazenda denunciou essa falsa nostalgia, ao enfatizar que, por onde quer que se olhe – da alta dos preços à mortalidade infantil, da evolução do PIB à universalização do acesso à escola -, o Brasil avançou mais nestes sete anos do que em todo o decênio precedente. Goste disso ou não o PT.

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16/08/2001