A política do insulto
Se a eleição fosse amanhã, o presidente Fernando Henrique não faria o seu sucessor, dizem as pesquisas de opinião. Mas, se o desfecho do pleito de outubro de 2002 dependesse exclusivamente da estatura política dos adversários do governo que aspiram ao Palácio do Planalto, o nome que merecer o apoio do seu atual ocupante poderia considerar-se vitorioso de antemão. Mesmo para os observadores que procuram analisar com isenção a campanha eleitoral prematuramente desatada, cada novo pronunciamento dos presidenciáveis Lula da Silva, Itamar Franco e Ciro Gomes respalda a impressão de que a grande força de Fernando Henrique é a fraqueza dos candidatos oposicionistas.
Essa debilidade parece ser o produto de uma combinação melancólica de desconhecimento de causa, estreiteza de horizontes, idéias anacrônicas, insopitáveis frustrações e, por último, mas não menos importante, a propensão para a ofensa pessoal.
Ao contrário do que Descartes dizia ironicamente do bom senso, as limitações e defeitos dos candidatos oposicionistas não se distribuem por igual entre eles. Embora as distinções nem sempre sejam muito nítidas, um é mais tosco, outro mais retrógrado, outro mais grosseiro – para não dizer boçal. Nessa última categoria, o ex-ministro da Fazenda Ciro Gomes tem o duvidoso privilégio de se destacar. A sua propensão para o insulto chama especialmente a atenção – e é tanto mais reprovável – por não ser ele nem uma pessoa de origem humilde e aquisições culturais tardias, como Lula, nem uma figura pública escrava de seus recalques, como Itamar, mas um político que se diz culto e cujo currículo inclui uma passagem pela renomada Universidade Harvard.
No Ministério da Fazenda, à época do Real, Ciro Gomes agia como se a hostilização contumaz dos agentes econômicos, mediante declarações à imprensa que beiravam a grosseria, fizesse parte da política de abertura econômica que tratava de executar – de forma muitas vezes desastrada, segundo respeitados economistas. Fixou-se, então, a sua imagem de “Collor de esquerda“, que tanto o persegue e o enfurece. Nos últimos dias, como a dar razão aos seus desafetos, ele conseguiu a proeza de baixar a níveis sem precedentes o tom de suas habituais diatribes contra a pessoa do presidente da República.
Primeiro, ao dizer que Fernando Henrique “levou a corrupção ao centro do poder no Brasil“, pelo que deverá ser processado, a menos que se retrate, imitando o ex-senador Antonio Carlos Magalhães, contra quem a Procuradoria-Geral da República preparava ação penal por declarações de igual teor difamante. Logo depois, o candidato do PPS – que entrou para a política pelo PDS, ex-Arena, o partido da ditadura militar – comparou o jantar do presidente com empresários, na sexta-feira passada, às reuniões secretas que, em fins dos anos 60, levaram à criação da Oban, a organização paramilitar, financiada com recursos privados, que daria selvagem combate a todas as formas de resistência ao regime. Comparação, aliás, não apenas insultuosa, mas sobretudo idiota.
O sociólogo Fernando Henrique foi um dos inumeráveis opositores do autoritarismo que conheceram, encapuzados, o infame centro de torturas e assassinatos da Rua Tutóia, em São Paulo – o que ele fez questão de mencionar na entrevista ao Estado, publicada ontem, assinalando que o passado de Ciro Gomes “não permite que se arrogue como democrata naquele momento“. O candidato insinuara que o jantar na residência do banqueiro Olavo Setúbal era “suspeito“, por se tratar de um evento reservado e porque o anfitrião distribuíra previamente aos convidados um paper do cientista político mineiro Fábio Wanderley Reis sobre as vulnerabilidades da democracia brasileira e os problemas de um eventual governo de esquerda.
Para Fernando Henrique, ao mencionar a Oban Ciro Gomes foi “desrespeitoso“ – um understatement, diriam os ingleses. Quem condenou com mais propriedade as afirmações do ex-governador cearense foi o ministro da Saúde, José Serra, um dos presidenciáveis do PSDB, acusado por ele de “oportunista“. “Antes de falar em oportunismo ele devia olhar-se no espelho“, disse o ministro, lembrando que Ciro Gomes defendeu “ardorosamente“ a adesão do PSDB ao governo Collor. O ministro – que foi obrigado a se exilar em 1964 e só voltou ao Brasil em 1978 – reagiu com indignação à torpe analogia com os tempos da Oban. “Como não tem o que falar, (Ciro) parte sempre para o insulto a Fernando Henrique“, constatou, depois de criticar acerbamente a sua atuação como ministro da Fazenda. “Aliás, o estilo dele é o estilo do permanente insulto.“
Pimenta da Veiga é ministro de Estado das Comunicações