A ruptura consumada

Notícias - 08/03/2002

Até o último momento ainda havia quem duvidasse que o PFL deixaria o governo. Esse partido, afinal, foi o mais fiel ao presidente da República entre os partidos da maioria que se formou há oito anos para elegê-lo pela primeira vez. Além disso, o PFL não chegou ao poder com a eleição de Fernando Henrique. Ele sempre esteve por lá, desde a sua fundação, há 18 anos. E, bem feitas as contas, os seus fundadores jamais se afastaram das prebendas do governo, membros que foram da Arena e depois do PDS, durante os 21 anos de governos militares.

E da atitude tomada pela direção nacional do PFL não se deve depreender que o partido perdeu apetite pelo poder. Ao contrário, o PFL sai do governo, onde desempenhava um papel dos mais importantes, mas nunca deixou de ser coadjuvante, porque pretende voltar ao poder, desta vez no papel principal.

Seria apenas natural que, após oito anos, uma aliança construída para eleger o presidente Fernando Henrique Cardoso e garantir, depois, condições de governabilidade se descosesse às vésperas de uma eleição que não pode ser disputada por quem aglutinava a coalizão. Natural, também, que cada um dos partidos da maioria procurasse afirmar a sua identidade nas urnas, no primeiro turno, voltando a se unir depois em torno do candidato mais votado.

O que não é natural é que o PFL se tenha deixado prender na camisa de onze varas que lhe foi vestida pela governadora Roseana Sarney, ao reagir destemperadamente quando a Polícia Federal fez uma diligência de busca e apreensão – parte das investigações sobre as fraudes da Sudam – de documentos no escritório de uma empresa que ela possui em sociedade com seu marido. Não apenas o partido cedeu ao ultimato dado por Roseana – ou saía do governo ou ela abandonava a candidatura -, como está deixando a impressão de que sua eminência parda é o pai de Roseana e senador pelo PMDB (não pelo PFL) do Amapá, José Sarney.

Depois que o PMDB lançou a tese da candidatura própria – da qual sua direção tenta recuar, de todas as maneiras – e depois que ficou claro que o senador José Serra seria o candidato do PSDB, o PFL lançou a candidatura da governadora Roseana Sarney numa ampla campanha publicitária que apostava tudo, não nas credenciais político-administrativas da candidata, mas no ineditismo da disputa da Presidência por uma mulher. A pré-candidatura, aditivada por abundante publicidade no rádio e na televisão, deslanchou e o PFL acabou prisioneiro de sua própria esperteza.

Mas a verdade é que Roseana não foi escolhida por ser o melhor quadro do partido e ter as condições e o preparo ideais para ocupar a Presidência da República. Ela se tornou pré-candidata porque não havia ninguém mais no partido que pudesse sê-lo. Seu despreparo para as difíceis e delicadas tarefas que aguardam o próximo presidente da República ficou patente não apenas pela reação descontrolada que teve diante da primeira adversidade, mas também pelo fato de ela estar ligada, pelo matrimônio e pelos negócios, a Sérgio Murad, cuja capacidade de trazer constrangimentos para os altos escalões do governo e de se envolver em transações duvidosas é notória desde os tempos do governo de seu sogro, José Sarney.

Eleita presidente da República, Roseana teria, semana sim, semana não, de dar explicações sobre negócios aos quais está associada, queira ou não, pelos laços matrimoniais e pelos registros das juntas comerciais.

E o que é surpreendente é que o PFL, partido que reúne a maior coleção de raposas felpudas da política brasileira, tenha se deixado enredar pelas manhas do clã Sarney a ponto de exigir, na nota em que comunica o rompimento com o governo, “a apuração completa e transparente de tudo“, sendo esse “tudo“ os “exageros e arbitrariedades da ação policial de que foi vítima nossa candidata à Presidência da República, e (n)a iniqüidade dos vazamentos à imprensa“. Ora, não estivesse a direção do PFL contaminada pelo clima emocional criado por Roseana, o partido estaria antes empenhado em que se esclarecessem, isso sim, as suspeitas que pesam sobre Jorge Murad, pois são elas, e não uma diligência policial feita por ordem judicial, que podem transformar a campanha eleitoral num torneio de denúncias e acusações.

A crise aberta pelo desembarque do PFL do governo muda o quadro político-eleitoral. Se antes tudo indicava que, mesmo com os partidos da maioria concorrendo com candidatos próprios, haveria uma polarização entre eles e o PT, agora tudo aponta na direção de uma luta de morte entre os candidatos do PFL e do PSDB pelo direito de disputar o segundo turno. Com isso, o único beneficiado será o candidato Lula da Silva, que até ontem parecia condenado a uma quarta derrota.

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08/03/2002