Aníbal quer seguir Covas e “trocar chumbo“

Notícias - 28/05/2001

O retrato sorridente do governador Mário Covas, morto em março, continua pendurado no gabinete do secretário de Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico, José Aníbal, e não deixa nenhuma dúvida sobre sua disposição como novo presidente nacional do PSDB. Eleito há dez dias, Aníbal sai esta semana da secretaria para pôr em prática uma máxima de Covas: “Chumbo trocado não dói.“ Nada de novo para o economista, de 53 anos, que nasceu em Rondônia, foi estudar em Minas Gerais e acabou exilado na França, durante o regime militar. Agora, como presidente do PSDB, Aníbal confirma que vai levar a lição do governador “ao pé da letra“. Como ele mesmo diz, “o PSDB vai para o front“. Depois de considerar um “desastre“ a administração do PT em São Paulo, ele acusa a prefeita Marta Suplicy de “fazer despesa para atender a quadros do PT“, bater um recorde de viagens ao exterior e onerar o trabalhador com o aumento na passagem do ônibus.

Pelo mesmo motivo, o secretário de Finanças, João Sayad, é chamado de “príncipe do neoliberalismo“. Sobra também chumbo para o publicitário Duda Mendonça, responsável por um anúncio do PT que mostra ratos roendo a Bandeira Nacional. “Ele sim é um grande rato“, devolve Aníbal. E não falta munição contra os presidenciáveis Ciro Gomes (PPS) e Itamar Franco (PMDB). “Ciro tem verbo fácil, mas inconsistente“, aponta. “Itamar está fazendo um péssimo governo em Minas Gerais e é uma incógnita.“ A seguir, a entrevista:

Estado – Não teria sido mais fácil enfrentar a crise de energia se a população fosse avisada antes?

Aníbal – A situação hoje está mostrando que sim. Não sei se o governo tinha clareza de toda a situação há dois ou três meses. Tudo indica que não, mas o importante é daqui para a frente. A palavra de ordem é transparência. A sociedade e os agentes econômicos têm maturidade para entender que isso é um desafio. Não só para o governo, mas para todo mundo. É jogo aberto: esse corte voluntário será suficiente? Não será? Então que medidas vamos tomar? A sociedade tem de estar amplamente informada.

Estado – E essas medidas polêmicas, como a que revoga o Código do Consumidor? Não é um caminho perigoso?

Aníbal – Concordo. O governo devia rever essa posição. O código é uma coisa que a sociedade absorveu e tem hoje como um instrumento de legítima defesa. Passar por cima dele não é algo que tenha boa acolhida na população. Ao contrário. É preciso, e acho possível, encontrar outras fórmulas, até em consideração ao apoio imenso que o governo tem encontrado na população. Diante de uma realidade, as pessoas estão exercitando a cidadania. Por que o Real deu certo? Porque a população o assumiu.

Assim, os empresários e a sociedade também já assumiram o problema da falta de energia. Só há um setor no Brasil que quer o pior: a oposição.

Estado – A oposição não vai ganhar com o episódio?

Aníbal – Quem governa não pode estar sempre preocupado com o efeito negativo deste ou daquele fato. Governar é um projeto, que nós do PSDB estamos consolidando há seis anos. Nós ajudamos, de forma decisiva, a tirar o Brasil da ingovernabilidade. Fomos construindo um programa. Enquanto isso, a oposição estava fazendo a campanha de 1994. O PT já considerava o Lula (Luiz Iácio Lula da Silva) o novo presidente. E nós trabalhamos, fizemos um programa que sensibilizou a opinião pública de tal modo que elegemos o presidente. E quando a oposição se deu conta, ficaram surpresos. Aí começaram a dizer que o programa era eleitoral. Diagnosticaram errado. Agora de novo. É o quanto pior melhor. É impressionante! E acho que até a própria oposição está se precavendo, porque começa a perceber que a sociedade rejeita isso, não quer o quanto pior melhor. Isso não constrói. Se daí saísse alguma adrenalina, alguma formulação de programa, até seria razoável. Mas nem isso.

Estado – Isso inclui as administrações do PT?

Aníbal – A prefeita de São Paulo já deu aumento de 40% para uma centena de assessores, quadros do PT. Portanto, criando despesa. Anuncia agora que vai criar mais mil cargos de confiança e três secretarias. Por outro lado, aumentou as passagens de ônibus em 21%. Isso significa R$ 0,25 por passagem, até R$ 26 por mês para o trabalhador que toma quatro conduções por dia. Para quem ganha R$ 500 por mês é 5% da renda. No fundo é a Prefeitura deixando de subsidiar a passagem do trabalhador para fazer receita, jogando nas costas da população um adicional brutal de despesa. O autor dessa política é João Sayad, que sistematicamente nos acusa de neoliberais. Ele é que é um príncipe do neoliberalismo. O que está fazendo é a receita típica do neoliberalismo. Tira o subsídio, impacta a renda do trabalhador e flana.

Estado – Não é uma avaliação muito rigorosa?

Aníbal – Não. A administração do PT em São Paulo é um desastre. Ela cria despesa para dar aumento aos seus marajás e fazer política dentro da máquina, porque administrando eles não mostraram nada ainda. Marta que tenha a competência de fazer ajuste. Não faz, porque não tem competência. Aí eles dizem que o Covas não investiu no social. Essa gente não tem responsabilidade.

Estado – Este seria o modelo do Lula para o Brasil?

Aníbal – Não dá para saber. Mas estamos vendo esta idéia de que o PT administra com competência. Vai ver a situação no Rio Grande do Sul, onde até a aftosa voltou. Acho que a sociedade merece o desafio do debate, da reflexão. Acho que vamos conseguir, porque o contrário não beneficia Lula, não beneficia ninguém. Vira loteria. Tivemos o exemplo de 89, uma campanha despolitizada, centrada no denuncismo, que favoreceu um grande aventureiro e levou o País a uma grave crise política, econômica e moral.

Estado – Corremos o risco de repetir 1989?

Aníbal – Quando você vê Itamar sendo apoiado por Newton Cardoso e Orestes Quércia… Ciro Gomes faz qualquer tipo de composição política. O PT usando os serviços do Duda Mendonça, este sim um grande rato. Um sujeito que fez aquela grande empulhação da campanha do Celso Pitta e jogou nossa cidade no lixo, na lama. Empulhou a população com uma propaganda eleitoral falsa, imoral. E agora está aí fazendo propaganda para o PT. E a primeira coisa que faz é uma baixaria, atingindo um símbolo nacional. O povo não quer isso. O povo é crítico, sabe votar e entende as coisas. Vai ver o que é a realidade e vê a Prefeitura de São Paulo, a mais importante do PT. As praças e marginais continuam sujas. Em cinco meses, qual a mudança que houve na cidade? Nenhuma. E aí aquela empulhação de criticar o presidente Fenrando Henrique Cardoso, que viaja para firmar o Brasil, que hoje incomoda, faz genoma e o melhor jato de pequeno porte do mundo. A prefeita, em cinco meses, já foi três vezes ao exterior. É um recorde. Para fazer o quê? O desafio de São Paulo é de administração interna, de competência, do detalhe, de fazer o que Covas fez, ir cortando e reduzindo para criar disponibilidade e atender as maiorias. E ainda tem o Lula que viaja para Cuba, China… Enfim, acho que se pudermos ter uma campanha com base em idéias e programas será bem melhor.

Estado – O PSDB não tem sido incompetente para defender o governo e debater isso?

Aníbal – Tem sido pouco ativo. E isso já estamos mudando. O PSDB vai para o front. A pedra de toque de toda a ação do partido será a defesa do governo FHC e dos governos estaduais e municipais. Não temos nada a dever a ninguém em matéria de administração ou de ética. Aí dizem que somos arrogantes. Arrogante é essa oposição. Então o PSDB vai ser muito mais afirmativo, não só na defesa do governo como no que sempre temos feito. Vamos ter candidato à Presidência, a seu tempo. Temos vários candidatos. A meta agora é de mobilização. A executiva será andarilha. Vamos andar pelo Brasil e buscar colaboração ampla das secções estaduais e municipais.

Estado – E que reclamações o senhor tem recebido?

Aníbal – O que companheiros alertam muito é que quase tudo o que o governo federal faz de bom nos Estados não é assumido, não é mostrado como ação federal. É usado como algo do governo estadual ou do municipal. O governo deve ter a preocupação de comunicação permanente. Se não o outro se apropria disso e depois ainda nos critica. Diz que não fazemos política social, mas usa recursos do governo para fazê-la como se dele fosse. E aí o partido tem papel fundamental e pode colaborar, divulgando as realizações do governo. Vamos ganhar ou perder juntos. E acho que vamos ganhar.

Estado – Que herança de Covas o senhor pretende levar para a presidência do PSDB?

Aníbal – A lealdade, a combatividade e o compromisso com as maiorias. Esse era o Covas. Ele dizia sempre que o Estado precisa estar a serviço das maiorias. Esse legado do Covas me motivou muito para disputar a presidência do partido. Quando foi ficando claro que suas condições estavam ficando precárias é que eu realmente me decidi a pôr meu nome para a presidência do PSDB. Sabia o quanto ele considerava importante e valorizava a ação partidária e o quanto ele tinha de disposição para mobilizar o partido, apontar caminhos. Claro que Covas é único, mas vamos levar sua bandeira por todo o País. Nas situações mais adversas, você tinha ali uma figura forte, todo o tempo disposto para a briga. Aí falam que era turrão. Bendito turrão. Ele tinha posições e era duro na crítica. É dele uma frase que não esquecerei nunca: chumbo trocado não dói. O duro é não disputar. E isso eu vou levar ao pé da letra.

Estado – A continuação da aliança com o PMDB e PFL também será discutida?

Aníbal – Você não governa o Brasil sem alianças. Se você não é capaz de constituir maiorias e compor em processos eleitorais tão

importantes como o da Presidência, você não chega lá. Agora, o importante é ter um propósito. O PSDB ganhou a eleição e conseguiu alianças em 1994 por causa de um programa. Esse é o nosso mote.

Estado – Dá para saber as propostas de Itamar e Ciro?

Aníbal – Também não. O Ciro tem muito verbo, que é fácil, abundante, mas também inconsistente. É um político expressivo, carismático, mas não consigo ver uma construção programática alternativa. A questão da dívida, por exemplo, está recebendo tratamento absolutamente adequado do governo, que negocia preservando o interesse do País. Aí ele vem dizer que tem de rever o pagamento da dívida. Muito bem. Qual é a receita? Não é um problema de vontade, mas de correlação de forças, de realidade mundial.

Estado – Itamar será beneficiado com o apagão?

Aníbal – O que me dizem é que ele faz um péssimo governo em Minas. O PT, muita gente já rompeu com ele por isso. Mas Itamar conseguiu criar uma referência de oposição. E a questão da energia é uma circunstância da qual ele está tentando desfrutar ao máximo. Mas que consistência tem isso? Nem sei qual seria sua plataforma para presidente. Acho o Itamar uma incógnita. As forças políticas que o apóiam trabalham em sentidos diferentes. Basta ver o que o Quércia e o Newton Cardoso fizeram em seus governos.

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28/05/2001