Celeiro de falcatruas
‘Faxina’ anunciada por Dilma parece não ter ímpeto para prosperar na Agricultura
‘Faxina’ anunciada por Dilma parece não ter ímpeto para prosperar na Agricultura
Está para ser testada a real intenção da presidente da República de limpar a barra de seu governo. O Ministério da Agricultura está se revelando um celeiro de irregularidades tão pródigo quanto a autoestrada da corrupção pavimentada na pasta dos Transportes. Mas fica cada vez mais claro que a “faxina” anunciada há duas semanas por Dilma Rousseff não passa de mero golpe de marketing.
Neste fim de semana, pipocaram reportagens mostrando o descalabro que grassa na Agricultura. A mais incisiva foi publicada na revista Veja e resultou na demissão, ainda no sábado, do número 2 da pasta: o secretário-executivo Milton Ortolan. Homem de extrema confiança do ministro Wagner Rossi, com quem trabalha há 25 anos, ele caiu por ver seu nome associado à desenvolta atividade do lobista Júlio Fróes.
Mais uma vez, revelou-se a existência de práticas espúrias envolvendo a negociação de bens públicos em favor de interesses privados. No caso de Fróes, os aliados do petismo chegaram ao requinte de franquear sala, computador e secretária para que o lobista despachasse dentro do órgão – mais especificamente na sua Comissão de Licitação – e redigisse documentos oficiais em que o beneficiado era uma empresa representada por ele mesmo.
“Mesmo sem nenhum vínculo formal com a pasta, o lobista cuida dos processos de licitação, redige editais, escolhe empresas prestadoras de serviços – e, ao fim de cada trabalho bem-sucedido, distribui pacotes de dinheiro aos funcionários [do Ministério da Agricultura]. Em outras palavras, paga propina aos que o ajudam a tocar seus negócios escusos. O lobista faz tudo isso com o conhecimento e o aval da cúpula do órgão. E, segundo suas próprias palavras, com a autorização de seu amigo, o ministro Wagner Rossi”, sintetiza Veja.
Acossado por mais um fim de semana de denúncias deste calibre, o Planalto teve de sair a campo ontem para expressar, por meio de nota oficial, “confiança” na atuação de Rossi. É um mau sinal para o ministro: no início de julho, a mesma “confiança” foi manifestada pela presidente da República em relação a Alfredo Nascimento, que, dois dias depois, foi demitido do Ministério dos Transportes…
Assim como os Transportes, a pasta comandada por Wagner Rossi tem sua central de falcatruas: a Companhia Nacional de Abastecimento, a Conab. Seu orçamento de R$ 2,8 bilhões para este ano pode não ser tão vistoso quanto o do Dnit, com seus mais de R$ 17 bilhões, mas é suficiente para atiçar a sanha de corruptos e corruptores.
A Conab foi transformada num “cabide de empregos”, esquadrinhado pela Folha de S.Paulo no domingo. Também O Globo mostrou que sobrenomes vistosos de próceres do PMDB e do PTB são comuns na lista de cargos do órgão distribuídos entre afilhados políticos e aliados – muitos dos quais sequer se dão o trabalho de dar expediente por lá.
Os descalabros na Conab datam da época em que o atual ministro da Agricultura comandava o órgão, entre junho de 2007 e março de 2010. Para alimentar as bocas sedentas por cargos, cevadas pela estratégia de poder do PT, Wagner Rossi mais do que quadruplicou o número de cargos de confiança na empresa, que passaram de 6 para 26 no intervalo de menos de três anos. Até presidente de time de futebol do interior paulista ganhou cargo lá.
Seguidas vezes, a associação de servidores da Conab alertou o Palácio do Planalto para a ocupação política da empresa, mas o máximo que a assessoria de Dilma fez foi remeter as denúncias para que o Ministério da Agricultura tomasse ciência delas. Pôs o lobo para cuidar do galinheiro. Resta claro que, no feudo do PMDB e do PTB, o ímpeto da “faxina” da presidente parece não ter fôlego para prosperar.
O desdém da presidente da República por zelar pelo bem público contrasta com sua dedicação a detalhes insignificantes do dia a dia de governo. Já virou folclore em Brasília o afinco com que Dilma se lança a conferir listas de convidados, de passageiros de voos presidenciais e de ingredientes de menus servidos em solenidades.
Também viceja entre seus subordinados o incômodo por ver projetos importantes mantidos na gaveta em razão da demora da presidente em dar-lhes aval, como mostrou ontem O Estado de S.Paulo. Igualmente inquietante é a forma deselegante com que Dilma trata os integrantes de sua equipe, desde ministros a assessores, de acordo com o que divulgou O Globo.
O que se tem de concreto é uma presidente atrapalhada com as lides cotidianas do mais importante cargo da República. Dilma dedica atenção demais ao que merece importância de menos. Naquilo que realmente interessa – varrer a sujeira da corrupção para fora do aparelho estatal e punir corruptos e corruptores – suas intenções manifestas não correspondem aos fatos. Neste governo, falta sabão e escovão e sobra saliva.
Fonte: ITV – Carta de Formulação e Mobilização Política Nº 290.
Este e outros textos analíticos sobre a conjuntura política e econômica estão disponíveis na página do Instituto Teotônio Vilela.