CPI dos Bingos fecha cerco a turma de Palocci
Relações de Palocci e ex-assessores com bingueiros são indícios para que comissão amplie investigações contra o grupo. Ministro e amigos viajaram juntos com acusados por Buratti de dar dinheiro ao cai
Correio Braziliense (27 de março) – A CPI dos Bingos já tem vários indícios do relacionamento do empresário angolano Artur José Valente de Oliveira Caio com a turma de Ribeirão Preto, formada por ex-assessores e amigos de Antonio Palocci, além do próprio ministro da Fazenda. Por isso, vai aprofundar as investigações em cima de Caio e do seu sócio José Paulo Teixeira Cruz Figueiredo, o Vadim. Os dois são sócios em fábrica de máquinas para casas de bingos (do tipo caça-níqueis). Os dados do sigilo telefônico dos dois angolanos, quebrado em dezembro último, estão sendo enviados pelas companhias. Na semana passada, a comissão quebrou também o sigilo bancário e fiscal de nove empresas ligadas aos dois bingueiros.
Nas gravações telefônicas feitas pelo Ministério Público paulista, por ordem judicial, entre maio e setembro de 2004, Rogério Buratti, ex-assessor de Palocci na Prefeitura de Ribeirão Preto, refere-se várias vezes a “Jota“ em conversas com Vladimir Poleto, outro da turma. Quem poderá explicar exatamente quem é o “Jota“ captado nos grampos telefônicos é Buratti, que no ano passado não fez a identificação. Os promotores achavamque se tratava do ex-chefe de gabinete do Ministério da Fazenda, Juscelino Dourado. Mas a CPI não descarta a possibilidade de ser o bingueiro Artur José Valente Caio.
No ministério
Reportagem publicada pelo Correio na última quinta-feira revelou que Palocci visitou três vezes o luxuoso condomínio Porto Frade, em Angra dos Reis, no litoral fluminense, entre 2002 e 2004, tendo se deslocado até o balneário com a mulher e os filhos a bordo do helicóptero do bingueiro Caio, que tem chalés na Ilha de Capivari, no mesmo condomínio. Palocci se divertiu em Angra em companhia dos amigos Rogério Buratti e Ralph Barquete, ex-assessores na prefeitura de Ribeirão Preto, suas respectivas mulheres, além de outros dois casais.
O motorista Francisco das Chagas Costa, que trabalhou para Vladimir Poleto, revelou em depoimento à CPI ter levado os dois empresários angolanos até o Ministério da Fazenda.
Buratti fez acordo com o MP paulista para contar o que sabe e receber o benefício da delação premiada, reduzindo a pena por corrupção e formação de quadrilha pela participação em fraudes de licitações de prefeituras paulistas. Mas tem poupado os amigos que aparecem nas investigações, minimizando a importância destes no contexto das investigações.
Foi o que fez ao ser indagado pelo jornal Folha de S. Paulo, em meados do ano passado, sobre o tal “Jota“ que menciona nas conversas. Afirmou que o “Jota“ a que se referem não é Juscelino Dourado, ex-chefe de gabinete do ministro da Fazenda, como pensavam os promotores, mas “José Eduardo Valente“, um amigo do Rio, que seria ligado ao Grupo Peixoto de Castro, controlador do Banco Prosper.
O problema é que o único amigo da turma ligado ao grupo é Carlos Eduardo Valente de Oliveira, lobista do mercado financeiro carioca que se apresentava como consultor do Prosper. E ele não tem José no nome. Mas sim outro Valente, bingueiro angolano Artur José.
Doação
Foi Buratti quem revelou ao Ministério Público que os dois bingueiros angolanos doaram, em meados de 2002, R$ 1 milhão à campanha petista em troca da promessa de legalização dos jogos. Quem teria recolhido o dinheiro, segundo Buratti a pedido de Palocci, foi o empresário Roberto Carlos Kurzweil, que já prestou serviços para a Prefeitura de Ribeirão Preto e alugava carros blindados para os figurões do PT, como o ex-tesoureiro do partido Delúbio Soares.
Buratti também contou que Palocci se reuniu com os bingueiros no Hotel Sofitel, em São Paulo, entre outubro e novembro de 2002, na mesma época em que ele foi à Angra a bordo do helicóptero do angolano. Naquele mesmo ano, Palocci também teria jantado, em Ribeirão Preto, com os dois empresários na casa de Kurzweil, que é sócio dos bingueiros na empresa de telefonia Cincotelecom, falida em 2004. O ministro nega o contato.
Segundo o Correio apurou, ficaram a cargo do empresário de Ribeirão Preto as despesas do passeio a Angra, o aluguel da mansão onde ficaram os amigos e do iate utilizado pelo grupo.
A convocação dos bingueiros para depor na CPI está aprovada desde o ano passado. A Polícia Federal foi acionada para que os localizasse, mas eles viajaram ao exterior. Na época, Caio estava em sua mansão em Angra dos Reis, mas deixou a casa e a cidade antes de ser localizado.
Encontro com Lula
O ministro da Fazenda, Antonio Palocci, conseguiu driblar o assédio da imprensa que estava de plantão em frente de sua residência, e se encontrou ontem pela manhã durante cerca de duas horas com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A avaliação no encontro foi de que o governo não pode continuar sangrando por causa da crise provocada com a violação do sigilo bancário do caseiro Francenildo dos Santos Costa, que teve o sigilo bancário quebrado depois de desmentir Palocci. O ministro reiterou a Lula que não tem condições de permanecer enfraquecido no governo. Além disso, está emocionalmente abalado com o escândalo e quer preservar a família. A única chance de Palocci sobreviver e continuar no cargo é se conseguir desvincular o Ministério da Fazenda da ordem dada a um funcionário da Caixa Econômica Federal para quebrar o sigilo do caseiro. Essa possibilidade é considerada muito difícil, já que o jornalista Marcelo Netto, assessor especial do ministro, é apontado como suspeito pelo vazamento dos extratos do caseiro. O presidente, que viajou ontem à noite a Curitiba, retorna a Brasília no início da tarde, quando deve decidir sobre o futuro de Palocci.
Trechos
Buratti e Poleto citam “Jota“ em pelo menos duas conversas gravadas com autorização judicial. Eles conversam de forma telegráfica, por temor de estarem grampeados, como ocorreu no dia 10 de julho de 2004:
Poleto: Queria ver a questão da agenda da semana. E “Jota“ lá… se está tudo certo…
Porque aquele cara lá fugiu do mapa, está viajando…Você volta quando?
Final de semana?
Buratti: Capaz dele chegar no domingo.
Poleto: O “Jota“ está de férias, né?
Buratti: É, mas ele volta no domingo…
No dia 20 de julho do mesmo ano, Buratti e Poleto falam novamente em “Jota“:
Poleto: Pode falar? É rápido. Tô aqui no banco começando uma reunião. Se o “Jota“ pode dar uma resposta hoje. Porque para ele a agenda é amanhã, né? Tá sabendo de alguma coisa?
Buratti: É quarta, quinta ou sexta.