Dinheiro relatado em falso testemunho na verdade foi para adversário de Anastasia, relata reportagem do jornal O TEMPO

“Onde tem o shopping, tem a BR 040. Em frente ao shopping na pista descendo tem um morro, é uma colina. É lá em cima desse morro. Vindo pela rodovia que liga o Rio de Janeiro a Belo Horizonte, após passar pelo shopping que fica na entrada da cidade, existe alguns redutores de velocidade. Então você sai â direita e começa a subir o morro. A casa fica voltada para o shopping (…) Após lhe ser apresentada a fotografia do ex-governador de Minas Gerais, Antonio Anastasia, que na época era candidato ao governo de Minas Gerais, respondeu que ‘a pessoa que aparece na fotografia é muito parecida com a que recebeu a mala enviada por Youssef, contendo dinheiro’”. O enredo é parte do depoimento do ex-policial federal, Jayme Alves de Oliveira Filho, conhecido como ‘Careca’. Não se tratava de um Termo de Colaboração Premiada.
Da chamada “Lista de Janot”, o inquérito contra o senador Antonio Anastasia era o único que não era baseado em uma delação. Tratava-se apenas do testemunho de um ex-policial preso que, mais tarde, foi condenado pelo juiz Sérgio Moro a 11 anos e 10 meses de reclusão e perda do cargo por “crimes de lavagem e de pertinência à organização criminosa”.
O inquérito aberto contra Anastasia, por sua vez, provou que o senador jamais teve participação no ato ilícito. Jayme jamais confirmou a entrega de dinheiro a Anastasia em depoimentos posteriores. O chefe de Jayme, por sua vez, o doleiro Alberto Youssef – esse sim em delação premiada, na qual qualquer omissão ou mentira pode levar ao aumento da pena do acusado –, relatou que jamais enviou qualquer dinheiro a Anastasia.
Em Termo de Declaração Complementar nº 28, Alberto Youssef relatou que “recebeu determinações para a entrega de valores em Belo Horizonte, com o endereço e valor; que, porém nunca disse para entregar valores para Anastasia; que não conhece Anastasia”.
Durante as investigações, a Polícia Federal chegou a fazer diligências no local com características semelhantes às relatadas por Jayme e não encontrou nada que levasse a qualquer relação com Anastasia. As apurações não confirmaram os fatos narrados. Jayme jamais confirmou a versão que deu em seu testemunho inicial, quando ainda estava preso. Em outro depoimento, prestado junto à Justiça Federal, em Curitiba, no dia 4 de maio de 2015, no entanto, o ex-policial citou o nome de outra pessoa ao ser perguntado pelo promotor a quem teria entregue dinheiro em Belo Horizonte.
No âmbito das investigações, Youssef foi novamente ouvido. E novamente negou qualquer entrega a Anastasia. “Tratou em alguma oportunidade com o senador Anastasia ou alguém ligado a ele?”, questionou a procuradoria. “Nunca tratei, não tenho conhecimento, não sei de nenhum assessor dele (…) Quanto ao nome Anastasia, eu tenho certeza que nunca recebi nenhuma orientação para pagamento a essa pessoa e nem orientei Jayme a fazer isso”, afirmou.
Assim, depois de quase um ano de investigação, a Procuradoria-Geral da República pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) o arquivamento do inquérito. “Não há justa causa para continuidade do apuratório, porquanto, repita-se, aqueles indícios que levaram à abertura da investigação não se confirmaram no decorrer do apuratório, não existindo elementos capazes, pelo que apurado até então, de se identificar a ocorrência delitiva”, afirmou o Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot. Com isso, o ministro Teori Zavascki determinou o arquivamento do inquérito.
Novas revelações
Jayme Careca foi condenado por transportar dinheiro a mando de Youssef para UTC. Em termo de delação nº 29, o próprio presidente da UTC, Ricardo Pessoa, disse que “visitou o candidato ao governo do Estado de Minas Gerais nas eleições de 2010, Hélio Costa, em seu escritório político situado em Belo Horizonte”. Hélio Costa foi justamente o adversário de Anastasia na campanha eleitoral de 2010 ao Governo de Minas.
No termo de delação, Pessoa disse ainda “que, quem fez a intermediação foi o captador de recursos para a campanha de Hélio Costa, cujo nome não se recorda sabendo apenas que o sobrenome era Guimarães; que essa tratativa foi presenciada pelo então candidato Hélio Costa; que, neste momento, mostrada a fotografia da pessoa de Ivan Guimarães, ex-presidente do Banco Popular, o declarante o reconheceu”.
Por causa dessa declaração, o ministro Celso de Melo, do STF, encaminhou a declaração ao juiz Sérgio Moro para apuração do caso. Matéria publicada nesse domingo (30/04) pelo Jornal O TEMPO mostra que a Polícia Federal tem ligado os pontos. No mesmo local descrito pelo condenado Jayme Careca, o arrecadador da campanha de Hélio Costa, Ivan Guimarães (ambos citados na delação de Ricardo Pessoa) havia alugado uma casa em 2010.
“Sem saber o motivo, Ana Maria Rocha saiu de sua casa, no bairro Belvedere, na região Centro-Sul de Belo Horizonte, rumo à sede da Polícia Federal para prestar um depoimento. Era outubro do ano passado. Diante dos investigadores, ela descobriu que o imóvel de que é proprietária e mora atualmente, na rua José Maria Alkimin, 23, abrigou desde 2010, por um período de cerca de um ano, quando estava alugado, um estratégico QG político-eleitoral, agora alvo de investigação da Polícia Federal. O inquilino da mansão no período investigado pela PF era Ivan Guimarães, ex-presidente do Banco Popular, e contratado na ocasião para ser o responsável por arrecadar recursos e abastecer o caixa da chapa formada por Hélio Costa (PMDB) e Patrus Ananias (PT) ao governo de Minas. Em razão de sua atuação na campanha mineira, Guimarães hoje é citado em um dos inquéritos da operação Lava Jato”, afirma a matéria.
“Ivan Guimarães e a esposa assinaram contrato de aluguel para 30 meses. No entanto, logo após a derrota de Hélio Costa em 2010, eles deixaram o imóvel e pagaram a multa devida”, conta a reportagem que mostra como Anastasia foi vítima de um falso testemunho. O cenário relatado, na verdade, era o “QG”, nas palavras da reportagem, da campanha de seu adversário.
Confiança na Justiça
Desde o início das investigações, apesar da injustiça, Anastasia sempre disse confiar na apuração dos órgãos de investigação. Desde o dia em que tomou conhecimento da citação de seu nome pelo ex-policial, Anastasia foi incisivo ao afirmar que nunca conhecera nem jamais esteve nem com Jayme, nem com Youssef. Ao mesmo tempo, manifestou indignação e revolta com a tentativa de envolver sua história e trajetória neste assunto. Em pronunciamento na tribuna do Senado, no dia 10 de março de 2015, Anasstasia defendeu o trabalho da Polícia Federal e da Procuradoria-Geral da República, e disse confiar que justiça seria feita.
“Espero – e confio – que a justiça seja feita com a brevidade possível, para se restaurar, na plenitude, a minha trajetória e a minha honra. Sou, fundamentalmente, um profissional do Direito que acredita na Justiça e nas instituições. E, sobretudo, tenho a mais forte e invencível das defesas: a consciência tranquila”, afirmou à época.
Quando do pedido de arquivamento do caso, o advogado responsável por acompanhar Anastasia, Maurício Campos Júnior, disse as investigações levadas a cabo pela Polícia Federal e pelo Ministério Público, reforçaram a convicção das pessoas na honestidade do senador. “Desde o início, considerávamos que o arquivamento era o destino natural desse inquérito, mesmo porque a estória contada não tinha o menor nexo, não era referendada por qualquer testemunha e não encontrava apoio em nenhum elemento objetivo. O fato simplesmente não existiu. O que lamentamos é o envolvimento do nome de um senador sério e correto como Anastasia, submetendo-o a um desgaste que jamais será suficientemente reparado”, afirmou.
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