Direitos Humanos vilipendiados

Notícias - 29/11/2007

Muitas das situações de chocante desrespeito aos direitos humanos, hoje observáveis no Brasil, se explicam pelos percalços com que convivemos no século passado, marcado por duas ditaduras declaradas e múltiplos momentos em que, com as liberdades públicas suspensas, cometeram-se barbaridades supostamente em defesa da ordem.

A contar de 1985, o País ingressou num período de plena observância da ordem jurídica, sem que disso resultasse a eliminação, pela autoridade, de práticas que violam as prerrogativas do ser humano. Não por acaso, observadores insuspeitos continuam a denunciar que o emprego da tortura e da violência contra presos comuns subsiste em nosso país.

É certo que os direitos humanos continuam a ser objeto de debates e de interpretações que ampliam o âmbito de sua vigência. Fruto de tais discussões é a lei que, em data recente, veio dar efetividade ao combate à violência doméstica. Mas a militância pelo pleno respeito aos direitos da pessoa tornou-se menos intenso do que foi nos anos da ditadura militar.

Exemplo disso estamos tendo, agora mesmo, em Abaetetuba (PA), onde uma menina de 15 anos, vem sendo submetida a vários processos criminais, apesar de inimputável segundo o mandamento constitucional, o Estatuto da Criança e do Adolescente e a legislação penal. Por conta deles, foi recolhida à cadeia do município e, por quase um mês, a cela com uma vintena de prisioneiros do sexo masculino.

O episódio é desses que, a cada detalhe novo, mais repugnante se torna. No enquanto durou seu encarceramento ilegal, a criança foi sistematicamente estuprada pela maioria dos companheiros de cela, mas as autoridades paraenses, em vez de fazerem um solene mea culpa , parecem mais empenhadas em inocentar os que deram causa ao horroroso acontecimento ou não cuidaram de corrigi-lo com a presteza indispensável. Uma delas, em desastrosa passagem por Brasília, fez o possível para jogar a culpa pelo acontecido sobre a vítima.

Às pessoas alheias à região pode parecer que Abaetetuba seja o mais remoto e isolado município do Pará. Não é. Situada a meio caminho entre Belém e o litoral, dista pouco mais de 150 km da capital do Estado. Conta com um campus avançado da Universidade Federal do Pará, é sede de bispado e, demográfica e eleitoralmente, cresceu muito nos últimos 20 anos: tem, hoje, 131 mil habitantes e os eleitores passaram, no período de 35 mil para 76 mil.

Nesse mesmo período, a posição da mulher na vida paraense cresceu de forma acentuada. As três varas da Comarca são chefiadas por juízas, inclusive a 3ª, na qual, como apurou a advogada Valena Jacob, designada pela OAB/PA para cuidar do explosivo episódio, correm os estapafúrdios processos contra a menor, que neles sequer foi identificada corretamente.

O Tribunal de Justiça do Estado é presidido por uma desembargadora. Desde o início do ano, o Executivo paraense é exercido por uma mulher, a ex-senadora Ana Júlio Carepa (PT). Ela tem como secretária da Justiça a ex-deputada federal Socorro Gomes (PC do B).

As circunstâncias em que a criança de 15 anos foi recolhida à cadeia de Abaetetuba, de forma totalmente contrária à lei, eram de conhecimento geral. Só as autoridades, como se tornou praxe no país durante o atual governo, não sabiam de nada. E justificam sua flagrante omissão com os mesmíssimos argumentos que condenavam, quando na oposição.

Em meio a essa mistura de incompetência, insensibilidade e inação, o episódio de Abaetetuba evidencia a necessidade de o Brasil coibir com energia o tráfico de pessoas.

Nossa legislação sempre penalizou o tráfico de mulheres, para restringir a prostituição. Hoje, temos também o tráfico de adultos do sexo masculino, transformados em mão-de-obra escrava, e o de crianças, às quais os operadores do nefando negócio dos transplantes clandestinos tratam como depósitos vivos de “peças de reposição”.

Estas, como no incidente aqui enfocado, podem também serem vítimas de seqüestros oficiais e colocadas à disposição da sanha de pervertidos, enquanto as autoridades que deveriam zelar pela sua integridade não tomam conhecimento da infâmia praticada diante de seus olhos.

Urge dotar o país de uma legislação ampla que coíba o tráfico de seres humanos. Nesse sentido, apresentei projeto de lei 2375/03, que não será suficiente, por si só, para evitar abusos, como não o foram as normas aqui antes mencionadas. Mas será um passo à frente na tentativa reativar na sociedade a consciência de que os direitos humanos somente serão plenamente respeitados se tivermos disposição de, com amparo na lei, exigir firmemente sua observância.

X
29/11/2007