Discurso do Ministro da Saúde, José Serra, durante a VI Convenção Nacional do PSDB

Notícias - 19/05/2001

Companheiros e companheiras, já se disse que a grandeza de uma nação não se mede apenas pelos homens e mulheres que produz, mas também pelos homens e mulheres que homenageia.

Eu diria o mesmo de um partido político: sua grandeza reside não apenas nos seus militantes, por melhores que sejam, mas também nos líderes cuja memória homenageia, que relembra, repleto de orgulho e de saudade.

Franco Montoro e Mário Covas: que partidos, no Brasil, tem, como o PSDB, homens como esses para reverenciar? Eles foram dois dos nossos maiores fundadores, que contribuíram não apenas para a força material mas também para a constituição da alma do nosso partido. A força material é importante, mas o espírito que informa e controla essa força é tão ou mais importante, é fundamental.

Mário Covas e Franco Montoro continuam vivendo na alma do PSDB, onde está plasmada a honorabilidade e a decência, a austeridade, a procura teimosa pela justiça social, a defesa da liberdade e da democracia. São estes os pontos cardeais que definem os marcos e os rumos ao nosso partido.

São esses os pontos cardeais que estão por trás da força de outro dos nossos grandes fundadores, Fernando Henrique Cardoso, presidente do Brasil e presidente de Honra do nosso Partido. Fernando Henrique foi o iniciador, junto com Montoro e Covas, da nossa saga, da história do PSDB. E quis o destino que a ele coubesse continuá-la, enfeixando em sua mente e em suas mãos as responsabilidades dos companheiros que se foram. A Fernando Henrique estão associadas muitas das nossas melhores conquistas, muito do nosso estilo de luta.

O PSDB tem três qualidades especialmente valiosas na vida política brasileira.
Em primeiro lugar, não é um partido exclusivista nem sectário. Sabe escalonar objetivos, firmar alianças, respeitá-las e trabalhar com um leque amplo de opiniões e entidades.

Em segundo lugar, é um Partido sério e realista, não joga com as esperanças populares nem faz administrações irresponsáveis. É competente e, por isso, é o partido das administrações bem- sucedidas. No horizonte das nossas gerações, nunca um partido fez tanto por tanto tempo e tão bem ao Brasil como o PSDB.

É o partido que estabilizou o valor da moeda nacional, depois de quinze anos de uma superinflação, que ameaçava matar o corpo e a alma dos trabalhadores brasileiros e sufocar a criação de riqueza. É o Partido que retomou o desenvolvimento com estabilidade, experiência inédita na vida brasileira do após guerra.

É o partido que enfrentou crises econômicas sérias e que, ainda assim, mudou profundamente as políticas sociais no Brasil, bastando citar quatro exemplos: a reforma agrária, a educação, as comunicações e a saúde. Faça-se o inventário de qualquer uma delas e se verificará quantos avanços o PSDB trouxe ao país.

Um bom partido não é apenas aquele que faz diagnósticos, mas sobretudo aquele que tem coragem de assumir responsabilidades. É aquele que não usa pretextos para fugir das dificuldades, para evitar os desafios.

No poder, nunca fomos o partido da desculpa, o partido do pretexto. Nunca alegamos: “Ah, prometemos isso na campanha, mas agora não dá para fazer“. Nunca!

Em terceiro lugar, o PSDB é o Partido do compromisso com a democracia. Os jovens de hoje valorizam pouco as liberdades de que desfrutam. Mas as gerações que lutaram antes da ditadura, que sofreram, que foram perseguidas pela ditadura e que lutaram para derrubá-la, sabem apreciar o valor das liberdades conquistadas.

Hoje os partidos e os sindicatos são livres, as eleições são disputadas sem restrições, ninguém é perseguido por motivos políticos, os meios de comunicação desfrutam da mais ampla, geral e irrestrita liberdade. Nenhuma arma governamental é utilizada para coibir a palavra de ninguém, nem mesmo as palavras insanas, nem mesmo os turbilhões de leviandades que são despejados periodicamente sobre nosso governo.

Não somos os únicos responsáveis por essas conquistas, mas hoje somos os seus mais fiéis e efetivos garantidores.

O PSDB é o Partido da tolerância democrática, não como concessão, mas como compromisso, não como fraqueza, mas como dever. Ninguém encarna ou encarnou melhor esse espírito do que Mário Covas e Fernando Henrique.

Não conheço ninguém na vida política que faça, como Fernando Henrique, do respeito ao próximo o traço mais marcante do seu estilo de governo.

No passado, muitas vezes a resposta do Governo às crises econômicas ou políticas era provocar tensões nervosas na democracia. E sabemos qual foi o resultado trágico desse método.
Mas o Governo do PSDB enfrenta crises sem provocar sobressaltos, oferecendo transparência, propondo soluções, enfrentando com humildade e coragem as dificuldades. As crises, no Governo do PSDB, ao transitarem no Palácio do Planalto, saem menores do que quando entram.

A simples enunciação das qualidades do PSDB, de repente, pode soar estranha até para alguns dos presentes. Agora é hora de alguma autocrítica. Nós não valorizamos adequadamente a obra que estamos fazendo e, por isso, tendemos a subestimar realizações e méritos do nosso Partido, numa demonstração injustificável de baixa auto-estima.

Amor próprio para cima não significa escorregar num oba-oba irresponsável, e nem perder o senso autocrítico. Significa compreender bem o que estamos fazendo de positivo e de fundamental pelo Brasil e por nosso povo.

Nossa timidez acaba se projetando para fora das fileiras partidárias, prejudicando a atuação na sociedade, sobretudo no manejo de uma arma da luta política que hoje se chama comunicação. Há outros partidos que se encontram à frente de algumas prefeituras e de alguns poucos governos estaduais, cuja maior obra é a comunicação. Poderíamos ensinar-lhes como fazer diagnósticos corretos, como assumir responsabilidades e governar. Eles teriam muito que aprender. Mas, comunicação, devemos aprender com eles.

Comunicação não se faz somente na época de campanha. Temos de passar os fatos para a população, tomar conhecimento e valorizar diariamente o que temos feito, pois na fase eleitoral não cola. Campanha é uma época em que todos ficam falando tudo, todos prometem qualquer coisa, o povo fica desconfiado e saturado. A comunicação é hoje, é amanhã, era ontem. Já devíamos estar cansados de não termos aprendido isso!

Há outro aspecto que gostaria de mencionar, em relação à militância. Não há partido forte sem militância fora das eleições. Partido não é investimento exclusivo de disputa eleitoral. É também para ajudar a unir e organizar a população, para elevar sua consciência crítica. Isto é fundamental. Se formos capazes de militar fora da época eleitoral, seremos capazes também de ganhar mais apoio na época das eleições.
Outro desafio é o de implantarmos um sistema de formação básica de nossos militantes, de que tanto se fala e que nunca se faz. Temos de garantir a formação sistemática desses militantes a respeito da História do país, das transformações mundiais, do novo papel do Estado, das políticas públicas que defendemos, do partido que buscamos construir. O PSDB tem quadros intelectuais que podem e precisam cooperar nesse esforço.

Questão crucial é a ligação entre os militantes de base e os parlamentares do partido, sejam vereadores, deputados estaduais e federais ou senadores. Não existe nenhuma fórmula mágica, mas temos de incentivar e sistematizar experiências a fim de impedir o divórcio ente esses dois setores, os rumos divergentes entre eles, o abandono das bases partidárias.

Precisamos ainda estreitar as relações com as organizações sociais. O mundo está enveredando por caminhos originais. O chamado Quarto Setor está assumindo um peso enorme e temos que nos ligar mais a eles, aprender com eles, desenvolver ações comuns. Querem um exemplo? A luta brasileira contra a AIDS, cujo sucesso, reconhecido no mundo inteiro, não existe apenas por causa da lucidez e da firmeza do governo, mas também em razão da cooperação entre o governo e ONGs de todo o Brasil. Temos muito mais a aprender consultando a sociedade e suas entidades representativas, do que ouvindo os cochichos de gabinetes e os boatos de corredores, que não param e infernizam a nossa vida. Vamos trocar esses cochichos pela audiência, a parceria com a sociedade organizada!
Há, por último, dois tipos de desvios no seio do PSDB, que são minoritários para dentro mas barulhosos para fora, no tititi político da sociedade.
O primeiro, supostamente à esquerda, é fruto da sedução de alguns pelo vazio programático da oposição, compensado pelo investimento em formas demagógicas de moralismo.

Combate-se a corrupção para as câmeras de televisão, escolhem-se os alvos arbitrariamente, com intuitos eleitoreiros ou por vingança pessoal. Não há preocupação com provas, com regras processuais, com a condenação judicial dos acusados ou com o ressarcimento dos cofres públicos.Também não há interesse em aperfeiçoar as leis e as instituições para diminuir as possibilidades de novos delitos. A sanha inquisitorial se esgota na denúncia, no escândalo, no alarde. Não se pretende combater a corrupção, mas os adversários políticos.

Não é preciso ir longe em nossa história republicana para lembrar que esse falso combate pela ética levou o Presidente Vargas ao suicídio. E chegou até a comprometer o governo de Juscelino Kubitscheck, permitindo, nas eleições seguintes, a eleição de Jânio Quadros, que, como o tempo iria revelar, abriu caminho para o golpe militar, o encobrimento sistemático da corrupção, e o desmantelamento das nossas instituições democráticas.

A maneira efetiva e única de enfrentar a corrupção e os abusos do poder é a democrática. Respeita a Constituição, age de acordo com as regras legais, o direito de defesa dos acusados, esforça-se para acumular provas que permitam condenar os verdadeiros culpados e recuperar o dinheiro público desviado.

Distingue também as responsabilidades individuais das condições sociais que viabilizam que a corrupção se alastre. Para apurar as responsabilidades pessoais, trata de agilizar as investigações policiais, estimular a atuação responsável de procuradores e promotores além de garantir o julgamento final e independente do Poder Judiciário.

Para tapar os veios da corrupção e dos desmandos, procura aperfeiçoar leis, reformular órgãos e rotinas administrativas, enxugar o Estado, diminuir o poder corruptor de aparatos e orçamentos inchados.

As Comissões Parlamentares de Inquérito ou de Investigação, tanto do Congresso Nacional quanto das Assembléias Legislativas e das Câmaras de Vereadores, podem ser um instrumento auxiliar muito importante nesse combate, se respeitarem as regras constitucionais, partirem de fatos claros e determinados e agirem com isenção. Mas essas comissões podem perder o respeito da sociedade, se forem transformadas em expedientes mesquinhos e rotineiros de disputas partidárias, em tribunais de devassa indiscriminada À maneira dos regimes ditatoriais, ou em palanques eleitorais erguidos na hora e no lugar errados.

Outro desvio, digamos à direita, é o do neoliberalismo. Mas neoliberalismo não tem nada a ver com o PSDB, é outra coisa. É torcer o nariz para o crescimento da economia nacional, ou até mesmo elogiar o pretenso fato de que perdemos “a mania“ do crescimento, confundindo o Brasil com um país altamente desenvolvido, onde o crescimento do produto não representa mais uma condição necessária para melhorar o padrão de vida da população. Em países como o nosso, não há distributivismo possível a médio e longo prazo sem taxas elevadas de crescimento.

Neoliberalismo é confiar que o automatismo do mercado se encarregará de garantir a retomada e a aceleração do crescimento e de resolver os crônicos problemas do desemprego, a pobreza absoluta e da desigualdade acentuada na partilha da renda e da riqueza, dispensando qualquer intervenção dinamizadora e corretiva do Estado.

Neoliberalismo é preconizar que os serviços públicos essenciais de saúde, educação e previdência devem atender apenas às faixas mais pobres da população e, por isso, não precisam de mais recursos, bastando redirecionar os gastos que já são feitos em benefício dos “mais ricos“.

Neoliberalismo, enfim, é imaginar que a globalização fundiu a economia mundial e as economias nacionais numa única realidade, deixando de haver interesses nacionais a serem defendidos. Na dura realidade de nosso mundo globalizado, as sociedades nacionais permanecem, têm interesses diferenciados e precisam adotar políticas próprias adequadas às suas distintas situações.

É preciso repetir com toda clareza: o PSDB não compartilha essas teses neoliberais. Até por seu nome, o PSDB é o partido da social-democracia e não do neoliberalismo.

O PSDB defende o ativismo governamental e não o automatismo do mercado. Apenas distingue o Estado ativo do Estado produtor. Nossos adversários falam muito em privatizações, mas esquecem os numerosos exemplos de políticas ativas implementadas no Brasil nos últimos anos.

O PSDB também não confunde Estado interventor com Estado regulador. Abandonando formas excessivas e ultrapassadas de intervenção estatal na economia, defende, no entanto, que existem setores da economia e da sociedade que, se não forem regulados pelo Estado, não funcionarão em benefício da coletividade.

Para o PSDB, o crescimento da população e do emprego não podem ser vistos como resíduos de um processo espontâneo, como frutos inevitáveis de uma economia de mercado entregue a si mesma.
Para o PSDB, as políticas sociais têm de ser universais e, por isso, não podem ser subordinadas a interesses de natureza corporativista. Mas têm de ser efetivas e audaciosas e contar com recursos satisfatórios.

Enfim, o PSDB considera que o Estado nacional persiste e, portanto, tem de elaborar e aplicar políticas próprias, tem que sustentar um projeto nacional de desenvolvimento, que embora sob formas renovadas continue perseguindo as metas que sempre caracterizaram o pensamento progressista brasileiro: o desenvolvimento da economia, a defesa da soberania nacional, a diminuição das desigualdades sociais e o fortalecimento da democracia.

Construir um país não é tarefa apenas para alguns indivíduos por melhores que sejam. Não é tarefa para um único partido nem para uma única geração.

Novas dificuldades ameaçam esse projeto acalentado há tantos anos por nosso povo e por nosso partido. Mas dificuldades não são impossibilidades. A política não é a arte do possível, mas a ciência de identificar as possibilidades históricas e a arte de transformá-las em realidade, com esforço e perseverança. Política é a arte de ampliar os limites do possível.

Construir um país democrático, desenvolvido e justo, como é nosso projeto nacional, é tarefa para muitos anos, muitos braços, muitas mentes e muitos corações. Por isso exige paciência, vigor, lucidez e muita, mas muita, paixão.

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19/05/2001