Dura crítica ao FMI e aos EUA

Notícias - 13/02/2002

O presidente Fernando Henrique Cardoso, que tem insistido na necessidade de uma ordem econômica internacional mais justa em todos os encontros internacionais a que comparece, fez duríssimas críticas ao protecionismo norte-americano e à atuação do Fundo Monetário Internacional (FMI), notadamente na solução das crises cambiais, como a da Argentina, na abertura da 43.ª Assembléia de Governadores do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).

O presidente reclamou que o FMI limita a capacidade de países como o Brasil de financiar o seu desenvolvimento com empréstimos externos, pois contabiliza integralmente as importâncias contratadas como dívida externa, em vez de diluí-las à medida que os recursos efetivamente entram no País.

“Já apelamos ao Fundo Monetário algumas vezes para pedir esclarecimentos.

Por que fazem isso? Até hoje, as respostas que deram foram como se nós fôssemos analfabetos. Não somos. O presidente do Peru pelo menos é economista, sabe ler. Eu sou sociólogo.“

O diretor do FMI para o Hemisfério Ocidental, Cláudio Loser, que da platéia ouvia atentamente o discurso do presidente Fernando Henrique, disse depois “não ter entendido muito bem“ o que o presidente dissera. Evidentemente, essa foi uma resposta diplomática, pois Fernando Henrique foi claríssimo em suas críticas ao FMI e ainda mais quando tratou do caso da Argentina. Disse ele que entendia que as instituições multilaterais tivessem permanecido céticas, durante os primeiros momentos da crise, a respeito da capacidade da Argentina de começar a colocar ordem na casa. Mas, depois do “empenho enorme do governo e do povo daquele país para buscar um caminho“, as exigências que continuam sendo feitas ao governo argentino só se justificam se o FMI espera que a Argentina assuma um compromisso que não poderá cumprir. E ressaltou que uma das grandes mudanças ocorridas no Brasil foi a transparência e a exposição das contas públicas. “No passado, quantas negociações foram feitas, baseadas numa espécie de mentira? Mentira consentida“ – acusou – “porque a outra parte, a parte poderosa, sabia que não se ia cumprir (o acordo). Mas a situação era de tal gravidade que se fazia de conta. Ora, a Argentina não quer fazer de conta – e agora, depois de alguns esforços feitos, ela está dizendo: Eu já fiz algo, me ajuda a dar outro passo.“

Não admira, portanto, que, diante da incisiva crítica, o representante do FMI tenha se feito de desentendido.

Mas Fernando Henrique, como já dissemos, não limitou suas críticas ao FMI.

Afirmou que a reconstrução da ordem mundial tem de se dar sobre pressupostos igualitários, com a democratização dos processos decisórios em todos os níveis, inclusive no internacional. E que a agenda de segurança – adotada depois dos atentados terroristas contra os Estados Unidos – não pode abafar os anseios de desenvolvimento econômico e social dos países menos desenvolvidos, que dependem do comércio para crescer.

Lembrou que, em diversas ocasiões, afirmou que, para que a Alca se torne realidade, ela tem de ser resultado de um acordo equilibrado, com ganhos para todos. Mas os Estados Unidos, aplicando salvaguardas aos produtos siderúrgicos, aumentando os subsídios agrícolas e impondo limitações ao fast track, disse o presidente, “estão na contramão dos esforços de criação de uma verdadeira Alca“.

“Quando se quer o livre comércio, se reduz o protecionismo, e não se pode pedir que países em desenvolvimento abram seus mercados e, ao mesmo tempo, restringir o acesso desses países aos mercados dos países ricos.“ De fato, o comércio e o investimento internacionais são fatores essenciais e indispensáveis para o crescimento dos países em desenvolvimento e emergentes. Quando a ação do FMI se torna mais um obstáculo do que um incentivo para ajuda internacional a um país que se debate em grave crise, como a Argentina, e os Estados Unidos pregam o livre comércio, que desmentem com práticas protecionistas absurdas, não se está fazendo da globalização um processo eqüitativo, nem se construindo a ordem internacional sobre bases justas. Foi isso o que o presidente Fernando Henrique Cardoso disse, sem meias palavras, aos representantes dos países ricos e dos organismos multilaterais, em Fortaleza.

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13/02/2002