Em nota, FHC defende unidade do PSDB

Notícias - 24/08/2017
FHC defende fim do imposto sindical obrigatório

Em nota divulgada nesta quinta-feira (24), o presidente de honra do PSDB, Fernando Henrique Cardoso, defendeu a unidade do partido e a aprovação da reforma política pelo Congresso Nacional. Fernando Henrique também defende, na nota, uma ampla reconstrução das bases política e moral do país, numa rediscussão de práticas que deve ter início dentro do PSDB.

Veja abaixo a íntegra da nota do presidente de honra do PSDB.

Nota ao PSDB

No momento difícil pelo qual o país passa e diante das circunstâncias políticas sinto ser de meu dever, como um dos fundadores do PSDB e seu presidente de honra, reiterar o seguinte:

1. Em sua fundação o PSDB se insurgiu basicamente contra duas questões político-partidárias que dificultavam o avanço dos ideais republicamos e democráticos na Assembleia Nacional Constituinte: o compromisso de certas lideranças do PMDB com práticas de conduta que não aprovávamos e a inconsistência, revelada nas votações da futura Constituição, entre os objetivos proclamados pelo partido e o voto dado por muitos de seus membros. Recorde-se que na ocasião eu era líder do PMDB no Senado e Mario Covas na Constituinte.

2. Na época houve debate sobre o nome a ser dado ao novo partido. Uns como Montoro e eu, queríamos que se chamasse partido popular e democrático. A maioria, entretanto, quis denomina-lo socialdemocrata. No final incluiu-se uma referência à socialdemocracia “brasileira”, para demarcar as diferenças entre o partido que criáramos e sua vertente europeia. Em nosso caso a base política e social não provinha dos sindicatos, como na Europa. As questões da pobreza, que sempre foram objeto de nossas preocupações, abrangiam “o povo em geral” (inclusive o setor agrário, então menos organizado) e incorporava as novas posições urbanas do mercado de trabalho, que não se restringiam aos trabalhadores fabris e aos setores do funcionalismo. Estes, aliás, já dispunham de instrumentos (sindicatos e associações) para lutar por seus interesses, os legítimos e os corporativos. E não nos esquecíamos das classes médias, de onde a maioria de nós provinha.

3. O PSDB nasceu, portanto, com uma chave ideológica clara: o republicanismo (luta contra as distorções de privilégios e abusos corporativos e clientelistas, que se confundem e podem levar à corrupção) e primado do interesse coletivo, do povo em geral, sobre o particular. Isto, entretanto, não equivalia para os fundadores do PSDB à defesa cega das leis do mercado como única alavanca para o desenvolvimento social e econômico do país, nem muito menos à crença no intervencionismo estatal. A noção de “interesse público” e a compreensão das transformações do mundo, e, portanto, a adaptação de nossas políticas públicas para responder a essas transformações, balizariam nossos rumos. O interesse da sociedade, da maioria e não de segmentos, deveria guiar-nos, e não os interesses e valores corporativos ou sindicais, dos empresários ou dos trabalhadores. O interesse nacional se consubstanciaria no interesse comum, da maioria do povo, e não em uma burocracia estatal ou corporativa.

Assim o PSDB nasceu com posição definida no espectro ideológico-partidário.

4. O que pretendeu fazer o programa de TV do partido difundido recentemente? Disse: o que era um sistema de alianças decorrente do modelo político definido pela Constituição de 1988, cujas regras determinam a eleição do presidente com pelo menos 50% mais um de votos, por um lado, e promovem o multipartidarismo, por outro, obrigam o presidente eleito a compor alianças para governar (já que seu partido, quando muito, obtém 20% das cadeiras do Congresso) sofreu uma mutação. O sistema oriundo das regras constitucionais, que foi denominado de presidencialismo de coalizão, se degenerou nos últimos anos em outro sistema, ao qual chamei “presidencialismo de cooptação”.

5. O presidencialismo de cooptação substituiu o de coalizão graças à persistência de uma cultura política oligárquica e clientelista, mas também ao surgimento de um capitalismo de laços politicamente orientado, em que se aliaram grandes empresas e partidos políticos para a sucção ilegal de recursos públicos. Ao contrário do modelo de coalizão em que o apoio da maioria no Congresso ao Presidente e a seu governo se dá, em maior ou menor grau, com base no acordo entre partidos sobre uma agenda proposta pelo Executivo, no de cooptação o apoio passa predominantemente pela oferta de vantagens financeiras a partidos, empresas cartelizadas e indivíduos.

O “mensalão” e o “petrolão” mostraram o avanço do presidencialismo de cooptação, prestes a consolidar-se como um sistema de poder relativamente estável ligando partidos, ou setores deles, a empresas privadas e públicas, com o beneplácito de governos. Tal “sistema” se foi organizando no decorrer do tempo com os crescentes gastos eleitorais, levando, em muitos casos, ao enriquecimento de pessoas. De alianças para governar, passou-se, graças à cultura política prevalecente e a desvios pessoais de conduta, à corrupção do próprio sistema de representação política. Foi este sistema que a Lava Jato desvendou.

6. As duas administrações anteriores foram mais diretamente coniventes e são responsáveis por este “sistema”, embora alguns membros da atual administração sejam acusados de envolvimento nessas práticas no passado. Ora, foi no presidencialismo de cooptação –indesculpável — que se centrou a crítica do programa do PSDB. Sua leitura se deu, talvez por falta de clareza, como se as críticas se concentrassem no governo Temer e consequentemente atingissem os membros do PSDB que o integram. O equívoco deve ser desfeito.

Não se pode negar, especialmente depois da Lava Jato, que a população repudia todas as práticas corruptoras na política. O programa de TV mostrou que o partido dá ouvidos à voz das ruas e não pode ser condenado por isso. Tampouco pode ser condenado por reafirmar os compromissos do PSDB com o voto distrital misto e, no futuro – depois de sua implantação e do saneamento dos partidos — com uma nova forma de governo, na minha preferência, semipresidencialista.

7. As críticas ao presidencialismo de cooptação não são críticas aos membros do PSDB que ocupam posições governamentais, nem podem constituir ataques aos líderes partidários que sofrem acusações ainda a serem comprovadas. O afastamento do presidente do partido, Aécio Neves, foi um gesto de compreensão do momento político e indica seu empenho em se dedicar a desfazer as acusações que lhe foram feitas. Cabe ao partido, sem prejulgar, dar-lhe confiança para que se defenda. Da mesma maneira, ao presidente em exercício, Tasso Jereissati, que assumiu a liderança em momento crítico, devemos manifestar apoio e respeito, mesmo que alguns façam críticas pontuais a decisões suas.

8. Em vez de nos dividir devemos unir-nos na compreensão de que o Brasil clama por mudanças. Devemos nos dedicar ao debate interno sobre quais mudanças apoiamos. Algumas são quase consensuais: cláusula de barreira para conter a fragmentação dos partidos e a criação de não-partidos, que não passam de ajuntamento de pessoas para obterem acesso aos recursos públicos; a proibição de coligações nas eleições proporcionais; e o barateamento do custo das campanhas. Para cumprir este último objetivo é essencial devolver aos programas “gratuitos” de TV o formato de debates propositivos, sem o apoio de “marquetagem”. Fundamental também é aprovar legislação criando distritos eleitorais menores para as eleições às Câmaras. Não devemos esperar por 2022 para introduzir a distritalização, pois até lá as forças retrógradas tentarão e eventualmente conseguirão impedir a mudança. Mesmo que se aceite uma “transição”, a distritalização deveria iniciar-se na próxima eleição municipal, em 2020.

9. Mais difícil é decidir quem paga os custos da democracia: o Tesouro exclusivamente ou permitir, sob rígido controle, doação de empresas. Neste caso com a proibição de doação a mais de um partido em cada nível administrativo, municipal, estadual e federal. Se for aceita a doação de empresas, por que não doar ao Tribunal Eleitoral, que abriria contas em nome dos partidos cujas despesas de campanha seriam apresentadas diretamente a ele?

Sem a discussão prévia do barateamento das campanhas e sem a mudança das regras eleitorais, qualquer pretensão de formar novos fundos eleitorais ou de aumentar os fundos partidários existentes terá a repulsa do povo e não deve ser apoiada pelo PSDB.

10. Nosso debate interno não deve dar prioridade a uma questão que diante dos anseios do povo e dos interesses do Brasil exige posicionamentos mais claros: o “desembarque” do governo Temer. Este é predominantemente, na parte política, um governo do PMDB. Nós o apoiamos pelo interesse nacional na governabilidade e porque ele se comprometeu com reformas que são essenciais e às quais devemos dar apoio, ainda que corrigindo um ou outro ponto. É inegável que houve avanços nas áreas econômicas e nas da educação, habitação e infraestrutura, assim como na política externa. Não há apoios políticos incondicionais, nem por causa deles se deve deixar de criticar o que consideramos errado. Mas o eleitorado não compreende decisões de abandono que estejam ou pareçam estar apenas ligadas a questões de popularidade. Se existirem divergências mais profundas e substantivas elas devem ser explicitadas.

11. Cabe a nosso partido unir-se para que a seu redor se constitua um polo democrático, popular que olhe para o futuro. As mudanças no mundo estão ao alcance de quem não tem viseiras: a globalização se baseia em uma tecnologia que requer inovação constante e formação técnico-científica. O crescimento da economia dependerá da aplicação eficiente do conhecimento à produção, não apenas para gerar maior valor econômico e gerar empregos, mas também para fazê-lo sem comprometer o meio ambiente, já ameaçado em escala global. O olhar social requer compromissos morais inescapáveis: o futuro requer produtividade crescente, aumentará exponencialmente a renda, porém a oferta de empregos crescerá mais lentamente e requererá maiores capacitações. A bandeira da igualdade, que tem enorme força em países de desigualdades gritantes, como o nosso, virá junto com a de mais e melhor educação. Proponho que o PSDB tenha estas considerações como eixo de sua atualização programática.

12. A construção de uma cultura verdadeiramente democrática há de repudiar o corporativismo e o clientelismo. Façamos da reforma política parte do combate a esses males.

13. A segurança pública não é menos importante para a democracia e para a convivência social pacífica. Ela, hoje em dia, compatibilizada com o Estado de Direito, não equivale à repressão, como nos regimes autoritários. As políticas de segurança são fundamentais para o bem estar do povo.

14. Há muitos outros temas a serem abordados na reconstrução das bases políticas e morais de nosso partido. Para isso, dentro de minhas limitações, contem comigo. Mas não para a luta interna, por motivada que seja por bons argumentos. Ela só resultará em nosso esfacelamento e nos impedirá de corresponder às expectativas e necessidades do país, que requer consensos crescentes para renovar-se e poder criar uma sociedade mais decente.

15. Renovemos nossos diretórios pelo voto, a começar em outubro nos diretórios municipais e culminando em dezembro com a eleição do novo Diretório Nacional e de seus dirigentes. Preparemos uma candidatura aglutinadora para 2018. Chances de vitória existem, temos candidatos viáveis –escrevo no plural – enquanto os demais partidos, quando os têm, têm um só, nem sempre inspirador de confiança para os propósitos que desenhei. Se tivermos a paciência da construção e a tolerância para aceitar a diversidade, que não se confunde com leniência com a corrupção, poderemos vencer para melhorar o país. Jamais para usufruir dele.

X
24/08/2017