Entrevistas
Entrevista José Serra – Hora de avançar
O ex-ministro da Saúde dá início
à campanha, reclama das fofocas
eleitorais e antecipa seu plano de metas
“O problema não é ter idéias novas. É tirá-las do papel. Nesta campanha, vai ser importante prestar atenção nesse aspecto“
Na semana passada, José Serra deixou o governo de Fernando Henrique pela segunda vez. A primeira foi em maio de 1996, quando concorreu a prefeito de São Paulo e ficou em terceiro lugar. Agora, aos 59 anos, Serra sai do governo para tentar o salto mais ambicioso de seus quarenta anos de vida pública: concorrer ao Palácio do Planalto pelo PSDB. Tem três grandes desafios à frente: melhorar seu desempenho nas pesquisas, reeditar a aliança que elegeu e reelegeu Fernando Henrique e provar que é bom de voto. Na sua passagem de quase quatro anos pelo Ministério da Saúde, Serra deixa um fornido elenco de vitórias e um problema atual: a aguda epidemia de dengue – que já lhe valeu a chacota de que é “candidato a presidengue“. Nesta entrevista, Serra fala do que espera da campanha, protesta contra a atual fase de fofocas eleitorais e adianta, em primeira mão, alguns pontos de seu plano de metas, caso seja eleito.
Veja – O senhor tem só 7% das intenções de voto para presidente, conforme a última pesquisa. Está em quinto lugar. Dá para chegar lá?
Serra – Sim, por que não? Faltam oito meses para a eleição. Pesquisa não define resultado. Se definisse, Paulo Maluf teria sido eleito governador de São Paulo em 1998 e Lula, presidente em 1994. Eles vieram bem nas pesquisas e perderam no final. Não estou preocupado com os outros. O que sei é que não vou retirar minha candidatura sob nenhuma hipótese. Essa fase do tititi eleitoral tem duas características. A primeira é a irrelevância dos acontecimentos. A outra é que retira espaço da discussão de políticas públicas sérias. Só querem saber com quem esse ou aquele candidato vai se encontrar. É um horror. Tenho fé que isso termine mais à frente. Com a proximidade da eleição, o eleitor saberá distinguir entre quem tem propostas e quem não as tem. Nas duas últimas eleições, o eleitor provou que sabe discernir bem. Hoje, não há espaço para aventureiros como Collor de Mello.
Veja – Seus adversários dizem que o senhor é antipático, não tem carisma.
Serra – A crítica é cômoda. Você diz que alguém tem ou não carisma de acordo com o resultado da eleição. É um julgamento a posteriori. Antes diziam que Fernando Henrique não tinha carisma porque perdera a eleição para prefeito em São Paulo. Depois que ganhou duas eleições presidenciais no primeiro turno, ele passou a ter. Meus adversários têm dito que eu seria o melhor presidente, mas não sou o melhor candidato. Deixemos o eleitor julgar. Acho que estamos escolhendo justamente o próximo presidente. Eu me acho simpático, minha mãe me acha simpático. Tem gente que não acha? Paciência…
Veja – Qual é seu caminho para conquistar a aceitação popular?
Serra – Por incrível que possa parecer, ainda sou pouco conhecido. Grande parte das pessoas lembra de mim só como ministro da Saúde, acha que sou médico e especialista em saúde. Quando perguntados se votariam em mim, muitos dizem que não, porque querem que eu fique no ministério. Mas há um fato que me favorece: o cronograma da eleição está adiantado. Com isso, você tem mais tempo para se expor.
Veja – O senhor acredita numa aliança entre os partidos governistas?
Serra – Estou esperançoso em relação ao PMDB. Temos tido boas conversas e sinais de figuras importantes do partido de que há espaço para a união ainda no primeiro turno. Mas estamos cuidando de aliança, não de nomes para o cargo de vice-presidente. Dizem que eu convidei o Jarbas (Jarbas Vasconcelos, governador de Pernambuco). Não é verdade. Estamos trabalhando juntos. Ele me apóia e isso para mim é muito importante. Seria um excelente vice, mas ainda não há nada. Há muita conversa e fofoca nesse período eleitoral. O Tasso (Jereissati, governador do Ceará), por exemplo, vai participar de nossa campanha. Não tenho dúvida. Aliás, ele não vai. Ele já está. É um homem de partido e amigo meu.
Veja – Na aparência, sua aliança preferencial é com o PMDB, cuja cúpula está maculada por escândalos, como a recente prisão de Jader Barbalho. Isso não prejudica?
Serra – Minha aliança preferencial é com a base do governo. Gostaria de ter ao meu lado o PFL, o PMDB, o PTB e o PPB. Gostaria de reeditar a aliança das últimas eleições. Todos os partidos são heterogêneos, não dá para analisar como um bloco. O PMDB é um partido de envergadura nacional com história e importância. Não acredito que o caso de Jader tenha liquidamente um reflexo eleitoral. Todos os partidos têm problemas, uns mais e outros menos. Em relação ao PFL, temos de reconhecer que foi um pilar necessário no governo Fernando Henrique e provou isso ao longo desses anos. Espero o apoio deles, sim. Eles têm uma boa candidata com bons índices nas pesquisas e uma administração para servir de exemplo. Mas acho que a união não é impossível. As chapas só precisam ser formadas no fim de junho. Até lá, muita coisa pode acontecer.
Veja – Se houver aliança, o PFL teria, num eventual governo seu, o mesmo peso que teve com FHC?
Serra – Nunca é do mesmo jeito. Mas é bom frisar isso: não estou falando em voto, aliança eleitoral. Estou falando em governo. O PFL cooperou no governo Fernando Henrique e pode perfeitamente cooperar comigo num governo futuro. Tudo depende das questões substantivas dos programas. Temos de sentar e conversar. Não acredito em diferenças insuperáveis.
Veja – Alguns economistas do PFL defendem a privatização do Banco do Brasil, do BNDES e da Caixa Econômica Federal. Qual é sua posição?
Serra – Eu não sou a favor. Tome-se como exemplo o BNDES. É um banco que funciona admiravelmente bem. Tornou-se uma massa substancial de recursos públicos e instrumento primoroso de política governamental. Cumpre sua função. O BNDES não está explodindo a política monetária porque tem oferta de dinheiro nem está criando cartórios no país. Pelo contrário, ajuda a criar um modelo de desenvolvimento. Não vejo sentido em privatizar BNDES, Caixa ou Banco do Brasil. Acho que criaríamos mais problemas que soluções.
Veja – Por que o senhor quer ser presidente?
Serra – Acho que posso unir a experiência administrativa com a vontade política para exercer o cargo. Tenho condições de juntar o conhecimento acumulado em quarenta anos de vida pública com a ousadia de quem quer avançar mais. No Brasil, o problema não é ter idéias novas. É tirá-las do papel. Nesta campanha, vai ser importante prestar atenção nesse aspecto. Terceirizar idéias, apresentar projetos, tudo isso é fácil. A questão é outra. É preciso ter vontade política, capacidade técnica e persistência para implementá-las. Acho que sou perfeitamente capaz de fazer isso. Aliás, é o que venho fazendo em toda a minha vida. Pratico o ativismo governamental. No Legislativo, pratico o ativismo legislativo. Precisamos dar seqüência às mudanças no Brasil.
Veja – Se for eleito, o que o senhor pretende fazer?
Serra – Partir para as etapas posteriores. Vamos pegar a questão da educação. Hoje, temos quase a totalidade das crianças na escola. O próximo passo é investir na qualidade do ensino ministrado. Algumas questões já vêm sendo implementadas. O Fundef, para citar uma das medidas cruciais, melhorou o salário dos professores. Precisamos de profissionais bem pagos para que o nível das aulas melhore e os bons professores continuem motivados para exercer a profissão. E não me refiro só aos salários, que, evidentemente, ainda estão aquém dos padrões desejados. Temos de investir em reciclagem e em cursos de aperfeiçoamento. Outro ponto importante é criar fontes de financiamento para que Estados e municípios possam investir numa mudança primordial: escolas com alunos em tempo integral. Em poucos anos, poderíamos ter 20% dos alunos da rede pública estudando em dois períodos nos colégios. É uma medida possível e faria grande diferença na formação de milhões de brasileiros.
Veja – A média de crescimento do país no governo FHC foi de 2,4% do PIB. Em seu plano de metas, com que taxa de crescimento o senhor trabalha?
Serra – Em economia, não devemos trabalhar com períodos tão curtos. Prefiro espaços maiores de tempo. Note que, entre 1980 e 2000, o Brasil cresceu a uma taxa de 2,7% ao ano. É evidente que não foi um desempenho espetacular, mas na média da economia mundial. Hoje, identifico pelo menos quatro condições econômicas para que possamos alcançar uma taxa superior a 5% ao ano: afirmação da estabilidade, câmbio flutuante, responsabilidade fiscal e sistema financeiro sólido.
Veja – Essas condições já existem e, no entanto, o país não cresceu 5% no ano passado.
Serra – Precisamos partir para a etapa da remoção dos obstáculos que impediram o crescimento da economia. Vejo três problemas fundamentais. O primeiro é o déficit em conta corrente, que hoje corresponde a 4% do PIB. Vamos baixar isso. Outro nó górdio é o gargalo energético. Um país que precisa crescer necessita de energia. O cálculo mais usual é que, para cada ponto do PIB em crescimento, precisamos aumentar algo como 1,7% na matriz energética. Será feito. O terceiro ponto é a reforma tributária. Atualmente, o sistema tributário compromete a competitividade da economia brasileira. Encarece as exportações e barateia as importações. Precisamos mudar isso.
Veja – Todo mundo fala em reforma tributária e ninguém a faz.
Serra – O problema é que todo mundo é a favor da reforma tributária, mas todos defendem modelos diferentes. Já chegou a hora de parar de ouvir nessa matéria. Não adianta ficar ouvindo e tirar uma resultante das pressões. O resultado disso é zero. O governo tem de concluir seu estudo, apontar o critério que mencionei aqui e jogar todo o seu peso nisso.
Veja – Como reduzir o déficit em conta corrente?
Serra – Exportando, exportando e exportando. A solução mais viável passa pelo aumento das exportações e pela substituição das importações. Temos de formular parcerias com a iniciativa privada, realocar recursos do BNDES, enfim, contagiar a sociedade com essa preocupação. Se for eleito, farei logo de saída uma reunião com todos os governadores para receber sugestões e mapear oportunidades para incrementar as exportações. Mato Grosso, por exemplo, é o Estado que mais cresceu nos últimos dois anos. A taxa foi de 10% ao ano, um assombro. Boa parte desse crescimento se deve às exportações de soja e algodão. Recentemente, o governador Dante de Oliveira me explicava que a construção da Rodovia Cuiabá-Santarém vai diminuir em 20% o custo de exportação da soja. Com esse investimento, vamos exportar mais por menos. Há certamente outras oportunidades como essa a ser aproveitadas.
Veja – Substituição de importações não é uma política muito diferente da atual?
Serra – A substituição não seria para alguma autarquia passar a produzir itens banais, nem seria calcada em reserva de mercado, protecionismo ou outros conceitos que já não cabem num mundo como o nosso. A substituição de importações é fundamental para expandir nossa matriz de exportação. Na época de Getúlio Vargas, deu-se um grande salto nas indústrias de base. Com Juscelino Kubitschek, avançamos na indústria automobilística. No período de Ernesto Geisel, foi a vez das petroquímicas. O próximo salto, a meu ver, terá de ser na indústria de microprocessadores. Não é necessário que o país passe a produzir microprocessadores de uma hora para a outra. Podemos atrair indústrias para que se instalem aqui ou fazer um sistema misto de capital estrangeiro e nacional. A Intel, por exemplo, instalou uma filial na Costa Rica. Não é uma questão de esquerda ou direita. O país precisa gerar empregos e crescer.
Veja – As taxas de juros estão hoje em 18,75%. Qual índice o senhor considera ideal?
Serra – Temos condições de reduzir os juros reais a um nível de 7%. A substituição das importações e o aumento das exportações vão diminuir a dependência do capital estrangeiro e fazer com que possamos baixar os juros.
Veja – E a inflação?
Serra – Está um pouco acima do ideal. O objetivo é fazê-la descer ao patamar de 2,5% ao ano. Não é promessa de campanha, mas essa taxa deve ser perseguida.
Veja – O senhor está deixando o Ministério da Saúde com uma epidemia de dengue. O que aconteceu?
Serra – É natural que os olhos da sociedade estejam voltados para onde há problemas. O que não pode haver é exploração eleitoral. Não tenho dúvida de que a dengue vai cair até o fim do ano. Para analisar a moléstia, é preciso ver o que aconteceu com as doenças infecto-contagiosas no país. O sarampo, levamos a zero. A cólera, quase zero. Tivemos nove casos no ano passado. O tétano neonatal também é residual. A malária foi contida. A febre amarela urbana continua erradicada. No ano passado, tivemos alguns casos de febre amarela silvestre, hoje também sob controle. Já vacinamos 60 milhões de pessoas. A tuberculose, apesar dos riscos, está contida. Já a dengue é uma doença peculiar. Não tem vacina nem terapia certeira. Ninguém com dengue toma um remédio e fica bom. É uma doença que prospera num clima tropical úmido e atinge bairros e cidades com 100% de água e esgoto. Em 90% dos casos, tem mais a ver com água acumulada em quintais e terraços. Excluindo-se o Estado do Rio de Janeiro, a dengue teria caído 30% em relação ao ano passado. Mas não pensem que estamos entregando o problema sem apontar um caminho. Hoje, pagamos 40 000 agentes sanitários no Brasil. Fizemos nove cadeias nacionais de rádio e televisão sobre o tema, reuniões com os secretários e aumentamos sete vezes os gastos contra a moléstia. Enfim, tomamos atitudes. Agora, vamos conscientizar a população e combater o mal.