Jogatina por decreto

Notícias - 20/11/2001

JAIR LIMA KRISCHKE

Presidente do Movimento de Justiça e Direitos Humanos

 Em 18 de junho deste ano, o Movimento de Justiça e Direitos Humanos denunciou, ao Poder Legislativo, a tentativa de legalização, feita pelo governo Olívio Dutra, de modalidades de jogos de azar proibidas por legislação federal. As conclusões da CPI da Segurança confirmaram a denúncia e determinaram o indiciamento de autoridades do Executivo por ações de improbidade administrativa e crime de responsabilidade. Neste caso, as infrações decorrem de violação do dever constitucional de probidade na administração, caracterizadas por omissões e ações indevidas de agentes públicos.

 O governo, após a apresentação do relatório da CPI, tem procurado descaracterizar as conclusões da comissão, em especial no que diz respeito ao tema da jogatina. É importante esclarecer que, no que concerne à denúncia do MJDH, os atos do governo estão materializados no já famoso decreto 40.593, de 16 de janeiro de 2001, expedido pelo vice-governador Miguel Rossetto, com chancela do subchefe da Casa Civil, Gustavo de Mello, e do secretário de Estado da Fazenda, Arno Augustin. Esse decreto não regulamenta lei alguma. Jamais foi aprovada lei, neste Estado, que tenha instituído aquelas modalidades de jogos de azar.

 O governo sustenta, ainda, que atendeu a uma recomendação do Ministério Público Federal ao revogar o inciso II do Artigo 2º do referido decreto, que instituíra a exploração de jogos caça-níqueis. No entanto, não é verdade que a recomendação tenha sido atendida. Não apenas os caça-níqueis, mas todas as modalidades de jogatina instituídas pelo Decreto 40.593, mereceram a reprovação da Procuradoria da República. Permanecem em vigor, contrariando frontalmente a legislação federal, a loteria on line/real time, a loteria instantânea, bingo e loteria de chances múltiplas. A modalidade de chances múltiplas recebeu, inclusive, normatização e vem sendo explorada por dois grupos, um deles estrangeiro, desde março.

O governo parece que deseja camuflar

atos que são, inequivocamente,

de sua responsabilidade exclusiva

 A insistência em afirmar que a jogatina instituída por decreto fundamenta-se em lei estadual é insustentável. O governo parece que deseja camuflar atos que são, inequivocamente, de sua responsabilidade exclusiva. Em declaração recente, o governador Olívio Dutra protestou contra o seu indiciamento, fazendo referência à existência de uma lei estadual sobre a jogatina. O problema é que a lei não existe e não pode ser inventada para dar cobertura a um argumento que esbarra contra a realidade.

 É tão flagrante o descompasso entre o que diz o governo e os fatos que, em maio deste ano, o governador revogou, por meio do decreto 40.765, desta vez com a chancela do chefe da Casa Civil, os caça-níqueis, uma das modalidades de jogo de azar instituídas pelo decreto 40.593. Poderia o governador, por decreto, revogar uma atividade ou serviço previsto em lei? Claro que não. Como não conseguiu que a Assembléia, no final do ano passado, aprovasse uma lei que contrariava a Constituição, o governo lançou mão, por sua conta e risco, de um decreto para criar vários tipos de jogatina. Não se compreende que agora, depois de consumadas tais ações, o Executivo tente atribuir ao Legislativo uma responsabilidade que é tão-somente sua.

 O decreto 40.593, assinado pelo vice-governador, extrapola a autoridade do Executivo e invade o campo de uma atribuição legislativa que sequer é estadual.

 Todos sabem que somente o Congresso pode legislar sobre sorteios. A expedição do decreto viola, assim, os princípios da ordem jurídica, autoriza a prática de contravenção e beneficia a exploração privada de jogos de azar. Não há como pretender revestir tais ações de legalidade e, muito menos, é correto atribuir à Assembléia a aprovação de uma lei que simplesmente não existe. Diante destas evidências, o que resta é aguardar que as instâncias competentes, tal como propõe a CPI, procedam como manda a Constituição. As provas estão no Diário Oficial. Afinal, não se diga que a defesa do Estado Democrático de Direito e da Constituição é golpe. Ao contrário.

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20/11/2001