Lei das S.A., uma conquista a comemorar
O momento pelo qual passamos torna mais acentuados os riscos que rondam países com grande vulnerabilidade econômica externa, como é o caso do Brasil. Diante da retração que ameaça as finanças de todo o mundo, precisamos buscar, internamente, soluções para melhorar nossos padrões de produtividade, reduzir custos e impulsionar a capacidade de inovação e investimento do setor produtivo.
Em meio a esse cenário -ainda mais tumultuado pelas ações terroristas que atingiram os EUA-, conseguimos nesta semana dar um passo importante para superar entraves que vêm freando a economia brasileira. O Senado aprovou o projeto que altera a Lei das Sociedades Anônimas, datada de 1976. O texto, do qual fui relator na Câmara, depende agora apenas de sanção presidencial para entrar em vigor.
Estou certo de que é uma vitória importante para a nossa economia. O desenvolvimento do mercado de capitais está na raiz da expansão de economias saudáveis. Diretamente, traduz-se em mais crescimento, pois é aí que empresas encontram um complemento importante para financiar seus investimentos. De forma indireta, ajuda a elevar a competitividade da produção nacional. Bolsas com alta liquidez ajudam a diluir riscos de novos investimentos e a pulverizá-los por um número maior de empresas. Tal ambiente também tende a facilitar a realização de fusões, associações e parcerias capazes de garantir às companhias ganhos de escala maiores, possibilitando investimentos em inovações tecnológicas e a geração de mais empregos.
A realidade brasileira tem nos fornecido a antítese de tudo isso. Nos últimos anos, menos de 10% dos investimentos realizados por companhias abertas no Brasil foram feitos com recursos tomados nos mercados de valores. Minam-se, com isso, fontes de financiamento ao crescimento econômico e à inovação tecnológica. Em consequência, o grau de vulnerabilidade da nossa economia eleva-se -o que é ainda pior na atual safra de créditos escassos.
Para mudar o cenário, buscamos, por meio da nova lei, diminuir o grau de incerteza e de desconfiança que tem predominado na relação entre nossas empresas e seus acionistas. A melhor forma de fortalecer o mercado de capitais é dar proteção efetiva aos investidores, em especial aos minoritários.
A melhor forma de fortalecer o mercado de capitais é proteger os investidores, em especial os minoritários
Em árduas negociações no Congresso, chegamos a um texto que, se não é o ideal, pelo menos abre melhores perspectivas para a atração de novos investimentos e para a criação de fontes de financiamento mais adequadas para a produção nacional. Embora importantes, tais avanços ainda são insuficientes, pois continuamos, entre outros problemas, convivendo com a cobrança da CPMF no mercado de capitais.
A nova Lei das S.A. fortalece o mercado de capitais sobretudo porque aumenta substancialmente a proteção aos investidores. Isso ocorrerá em especial pelo novo desenho atribuído à CVM (Comissão de Valores Mobiliários), que passa a ter status de agência reguladora. Ela será dotada de autoridade administrativa independente, com autonomia financeira e orçamentária. Seus dirigentes terão mandatos fixos de cinco anos.
O texto aprovado no Congresso garante mais direitos aos acionistas minoritários e contempla muitos avanços. Há a volta do “tag-along“, que assegura aos minoritários, no caso de venda do controle da companhia, receber pela sua ação preço equivalente a, no mínimo, 80% do valor pago ao majoritário. O fechamento de capital só ocorrerá mediante pagamento de preço justo pela totalidade das ações em circulação, com possibilidade de pedido de reavaliação de valor por grupo dos acionistas.
Os detentores de ações preferenciais e acionistas minoritários poderão, cada um deles, segundo determinados critérios, eleger e destituir um membro do conselho de administração, que terá poder de veto sobre o auditor independente a ser escolhido pelos demais sócios; ações preferenciais terão vantagens efetivas na hora da distribuição de dividendos e na oferta pública de alienação de controle da companhia.
Para as novas companhias abertas, o número de ações preferenciais não poderá ultrapassar 50% do total dos papéis emitidos; acionistas que representarem ao menos 10% do capital total ou 5% do capital votante poderão convocar assembléia geral para deliberar sobre conflito de interesses; e disputas entre companhia e acionistas ou entre controlador e minoritários poderão ser solucionadas por meio da arbitragem de órgão especificado em estatuto.
Teremos a garantia de maior transparência das companhias pelas novas normas de gestão e pela maior padronização contábil. Também ficam caracterizados como crimes a manipulação do mercado e o uso indevido de informação privilegiada.
O projeto ainda inova em outros aspectos a favor das companhias brasileiras -por exemplo, ao facilitar a emissão de debêntures e dar maior flexibilidade às normas burocráticas impostas às empresas abertas.
Tenho insistido -e não sou o único- que o maior problema da economia brasileira é seu alto grau de vulnerabilidade externa. Anos de bem-sucedida faxina no campo macroeconômico, com inegáveis avanços nas áreas monetária e fiscal, não conseguiram nos livrar dessa ameaça, dado que parte das reformas necessárias não foi completada. Acredito que a aprovação do texto da nova Lei das S.A. é o primeiro passo para começarmos a ajustar a economia do país e a reduzir seu grau de exposição a riscos externos. Ainda que o momento seja dos mais graves, a hora é de comemorar a conquista e avançar.
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Antônio Kandir, 48, é deputado federal (PSDB-SP). Foi secretário de Política Econômica do Ministério da Economia (governo Collor) e ministro do Planejamento (governo FHC).