Lula e Olívio – falta de comunicação?
A imagem do governo Olívio Dutra (RS) é aquela que efetivamente passa para a opinião pública. Segundo pesquisas de opinião, ele amarga 37% de rejeição, situando-se entre os últimos governadores em índice de aprovação.
Lula já teve 47% de intenções de voto no Estado, estando agora com apenas 30%. Para quem já teve no Rio Grande do Sul um dos seus melhores índices nacionais, a situação não é particularmente brilhante. Ele tem, de fato, com que se preocupar.
Entretanto, ao contrário do que Lula tem alardeado, o problema do PT estadual não é de comunicação. Há pouco para ser mostrado. Nem a propaganda nem a encenação do orçamento participativo têm conseguido preencher essa lacuna. O governador, quando questionado por suas realizações, dá como exemplo o projeto aprovado de criação da universidade estadual e a contratação de 30 mil funcionários. Inflar o funcionalismo é agora sinônimo de desenvolvimento!
Bons índices de desenvolvimento do Estado, com aumento constante da arrecadação via ICMS, têm sido noticiados. O governador expõe esses índices como se fossem o seu feito. Ora, eles decorrem, em sua maior parte, do governo anterior ou da expansão das exportações, fruto da desvalorização cambial. O crescimento do setor metalmecânico muito deve à instalação da GM no Estado, iniciativa do governo Antônio Britto. Política do atual governo foi ter afugentado a Ford, quebrando o contrato firmado. O crescimento do setor petroquímico é também obra do governo anterior, que ampliou o Pólo Petroquímico de Triunfo. O crescimento das exportações tampouco nada tem que ver com uma política estadual, sendo resultado das novas condições do País.
É o caso, por exemplo, do setor coureiro-calçadista e da soja. A privatização da Companhia Rio-Grandense de Telecomunicações (CRT) contribui enormemente para o crescimento econômico e para o incremento da arrecadação do ICMS.
Vamos mudar de plano. No ensino estadual, temos concursos que são uma pérola. Segundo os critérios elaborados, um docente pode ser aprovado tirando zero em Português. Isso mesmo, zero. Deve, no entanto, conhecer a cartilha marxista constante dos livros recomendados. Indagados sobre essa anomalia, os responsáveis responderam que isso se deve à urgência de provimento de vagas. Esqueceram de dizer, no entanto, que o mesmo já ocorrera no ano passado.
A secretária de Educação é ex-presidente do Sindicato do Magistério (Cpergs). Olívio Dutra foi eleito prometendo um aumento de salários, como se tudo dependesse apenas de um ato de vontade. Segundo ele, o governo anterior nada teria feito por absoluta má-fé. Não seria necessário nenhum aumento de impostos para cumprir tal promessa. A realidade é outra. Nada foi feito em dois anos e meio. Todas as dificuldades de sua inação são, então, creditadas ao governo anterior, a FHC e ao FMI. Ora, algo começa a ser agora feito. Aumentos escalonados para o magistério, cujas últimas parcelas serão pagas pelo próximo governo.
A ironia é atroz. Quando o ex-prefeito Alceu Collares deixou a prefeitura de Porto Alegre, dando um aumento de salário ao funcionalismo municipal para ser pago pelo primeiro governo Olívio, foi duramente criticado por deixar a conta. Ora, é isso precisamente o que está sendo feito. Com uma agravante, e de monta: não havia, então, a Lei de Responsabilidade Fiscal. Como sabemos, é vedado a um governante deixar aumentos a serem pagos por um governo seguinte sem haver provimento para tal.
Ora, as finanças do Estado não foram saneadas. Segundo os novos critérios de avaliação da Lei de Responsabilidade Fiscal, o Estado gasta mais de 75% do orçamento com o pagamento do funcionalismo. Segundo os critérios anteriores, mais de 80%. Acrescente-se a isso a contratação de 30 mil funcionários para se ter a medida da situação. Como observar a Lei de Responsabilidade Fiscal em 2003? Em âmbito nacional, o PT lança manifestos de apoio à ciência e tecnologia.
Grandes declarações vinculam o financiamento científico-tecnológico ao desenvolvimento econômico. O que ocorre no Estado? O governo Olívio não repassa 1,5% da receita de impostos próprios para a Fundação de Amparo à Pesquisa (Fapergs). Ou seja, não cumpre a Constituição estadual. Na verdade, os repasses dos dois primeiros anos do governo Olívio são inferiores aos dos dois últimos anos do governo Britto (Britto, 1997: 22,8%; 1998: 25,6%; Olívio, 1999: 17%; 2000: 20,6% do que deveria ter sido repassado).
Na ausência de uma política científico-tecnológica, cria-se uma universidade estadual num Estado que possui uma ampla rede de universidades federais, comunitárias e particulares. O Rio Grande do Sul tem 48 instituições de ensino superior, sendo 15 universidades. Em vez de desenvolver criteriosamente essas universidades via financiamento pela Fapergs, o governo decide criar uma nova universidade, existente, por enquanto, apenas no papel. Se ela se concretizar, teremos um novo aumento dos gastos com o funcionalismo, também deixado para o próximo governo.
Até o pilar da moralidade pública parece estar vacilando. Foi noticiado, sendo agora investigado por uma CPI da Assembléia legislativa, que a campanha de Olívio Dutra supostamente teria sido financiada pelo jogo do bicho. Nada, até agora, foi provado nem investigado. Há, no entanto, algo no ar. Lula deveria melhor se informar.
Denis Lerrer Rosenfield, professor de Filosofia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Ph.D. pela Universidade de Paris, é autor, entre outras obras, de Política e Liberdade em Hegel e O que é Democracia E-mail: denisrosenfield@terra.com.br