Muito além do Real

¥O progresso que tivemos até agora seria impensável sem a estabilidade do Real.¥

Notícias - 30/07/2001

Maio de 1993. A sociedade acompanhava com apreensão a escalada da inflação, que era de 25.24% ao mês nos primeiros dias do Governo Itamar Franco, e já estava beirando os 30%, oito meses e três Ministros da Fazenda depois. O governo parecia perplexo diante do cenário econômico que se deteriorava. A falta de estabilidade ameaçava não apenas nossa economia, mas nosso futuro como Nação mais próspera e justa.
No dia 20 de maio, Fernando Henrique Cardoso assume o Ministério da Fazenda. A mudança de tom, a nova dinâmica de atuação ficam logo evidentes. Já em julho o novo Ministro lança seu Programa de Ação Imediata. Um país que, apenas alguns meses antes, parecia resignado a ter uma moeda sem valor ou mesmo a abdicar de sua moeda nacional, encontrava novo vigor na convicção de que agora era para valer.
Logo após o Programa de Ação Imediata veio a reorganização do orçamento, mediante a desvinculação constitucional das verbas públicas. O então chamado Fundo Social de Emergência permitiu que o Governo pudesse administrar os recursos orçamentários de modo mais eficaz e dar prioridade aos gastos sociais. A partir desse ajuste prévio do setor público, pôde-se avançar na idéia de uma reforma monetária que culminaria com o plano da URV, anunciado ao país em dezembro de 1993 e implementado em 27 de fevereiro de 1994.
O Plano Real estava em marcha, e marcha acelerada. Entre a posse do novo Ministro, a concepção do plano, sua negociação aberta e transparente com o Congresso e a sociedade, e seu lançamento passaram-se não mais que seis meses. Em julho, com Fernando Henrique Cardoso já fora do Ministério por força de sua candidatura e da legislação eleitoral, mas sob sua estrita inspiração e orientação, é lançada a nova moeda, o Real.
Essa capacidade de decisão e a determinação de cumpri-la surpreenderam o País. Não faltaram as acusações de maquiavelismo eleitoreiro; até mesmo vozes que se imaginam progressistas criticaram a estabilização. Mas desta vez a velocidade na concepção, negociação e implantação do plano não conflitava com sua profundidade e solidez. O fato inegável é que hoje, passados sete anos, temos o plano “eleitoreiro“ mais duradouro da história do País.
Ainda hoje, há os que insistem em criticas à estabilidade, e portanto seguem consistentemente contra o Plano Real e seus benefícios para a sociedade. Existem, por outra parte, os que gostariam de colher os louros de uma vitória para a qual a única contribuição que deram foi não atrapalhar. O fato de Fernando Henrique Cardoso, mercê de sua candidatura, não ter podido estar até o fim à testa do plano que criou estimula essas pretensões espúrias de paternidade.
A verdade é que a vitória do Plano Real é um mérito da sociedade brasileira como um todo. O Real é um êxito porque a sociedade participou ativamente da sua implementação. Entendeu o alcance da transformação fundamental que estava em curso no país. Lutou para que o país pudesse finalmente ter uma moeda forte e estável.
A mudança de mentalidade produzida pelo Plano Real deitou raízes sólidas, a ponto de assegurar a estabilidade monetária no momento em que tivemos de enfrentar as turbulências que levaram, em janeiro de 1999, à mudança do regime cambial. O povo impediu, por seus próprios atos de cidadão e consumidor, que houvesse aumento generalizado de preços. As mesmas pessoas que na época do lançamento do Real aprenderam a conferir o troco na hora das compras, a dar valor aos centavos e a pedir nota fiscal, souberam enfrentar o desafio da desvalorização.
A estabilidade da economia é conquista essencial dos brasileiros. Seu êxito é a recompensa de cada cidadão que acreditou que o Brasil podia dar certo, e fez a sua parte. Mas que ninguém se iluda: ela é conquista diária. É certo que ela se fortalece a cada dia pela confiança e pela credibilidade já construída nos últimos anos. Prova disso é o fato de que o país retomou o crescimento e cria melhores condições para enfrentar os problemas sociais. Prova disso são tanto as dezenas de bilhões de dólares anuais que temos recebido em investimento estrangeiro direto como as centenas de milhares de crianças que tiramos das ruas e trouxemos para as escolas. São as novas modalidades de gestão que se criaram no âmbito do Estado, as reformas que se realizaram com as privatizações e as quebras de monopólio.
Todos os progressos que o Brasil tem feito desde o Real seriam impensáveis sem a estabilidade da moeda. O Real foi um ponto de partida, não de chegada. Há muito ainda por fazer para que tenhamos assegurado um futuro digno e próspero para o povo, para que possamos corrigir as imensas desigualdades sociais e regionais, para que tenhamos uma participação crescente nos fluxos de comércio e de investimentos no plano internacional. Isso só se consegue com trabalho e seriedade, com espírito de solidariedade e consciência de Por tudo isso, ao falar dias atrás na cerimônia relativa à passagem dos sete anos do Real, o Presidente da República afirmou que não se tratava de fazer comemoração, mas, sim, reflexão. Cabe-nos procurar entender o quanto o país mudou ao longo desse período e o quanto avançou, ao se manter no rumo da estabilidade, do crescimento e da justiça social. O Real pode ter dado marca ao Governo FH. No entanto, o Governo FH está indo muito além do Real.

Paulo Renato Souza é ministro da Educação.

X
30/07/2001