O bonde da História

Notícias - 25/09/2001

Há quem considere tímido o esforço do governo brasileiro para erradicar o trabalho infantil no País, principalmente naquelas atividades consideradas penosas, insalubres, degradantes e perigosas. Será que está faltando um olhar mais atento para os avanços e conquistas alcançados nessa área?

Creio que sim.

Repare-se: de 4 mil meninos e meninas atendidos pelo Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti), em 1996, vamos atingir, ainda este ano, a marca de 717 mil, um aumento de mais de 17.000%. Naquele ano, o orçamento disponível era de R$ 900 mil. Hoje, são mais de R$ 300 milhões. A prioridade é chegar aos rincões onde a pobreza é mais dura. Só no Nordeste vamos atender a 100% da demanda identificada pelos Estados. Com isso, até o final do ano, a chaga do trabalho penoso naquela parte do País estará erradicada.

Veja-se mais: de acordo com tabulações especiais baseadas na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad), existem no Brasil cerca de 860 mil crianças e adolescentes com idade entre 7 e 14 anos envolvidas com o trabalho nessas atividades – alvo específico do Peti. Portanto, estamos devolvendo aos bancos escolares, até dezembro, nada menos que 83% desse universo e vamos chegar à totalidade até 2002.

Serão só números? Observem-se alguns pontos do recente relatório elaborado pela parceria Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), Organização Internacional do Trabalho (OIT) e Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID): “O Peti é único em todo o mundo, pois oferece uma estratégia factível dirigida à erradicação das piores formas de trabalho infantil“; “Indubitavelmente, esta é uma história de sucesso.“

Os resultados são tímidos? Olhe-se um pouco mais adiante. Já conseguimos inserir no sistema educacional 97% das crianças brasileiras em idade escolar. Para atingir os 3% restantes e universalizar o ensino fundamental o governo vem investindo recursos substanciais em vários programas, entre eles o Bolsa-Escola, também destinado aos mais pobres. Só para este ano, o programa dispõe de R$ 1,7 bilhão, dez vezes mais que em 2000, e vai beneficiar 10,7 milhões de crianças entre 6 e 15 anos, muitas delas em risco de se envolverem no trabalho precoce.

Juntando os dois programas, um preventivo e outro reintegrativo, temos uma das mais consistentes estratégias de combate ao trabalho infantil e de estímulo ao rompimento do ciclo de reprodução da miséria. Ao garantir a manutenção das crianças na escola, em troca de uma ajuda às famílias, estamos dando um passo fundamental para que as novas gerações não sejam condenadas, também, à pobreza.

Ainda assim, há quem afirme ser o valor pago às famílias insuficiente para garantir a permanência das crianças na escola. Aqui cabe um esclarecimento.

O dever constitucional de manter crianças no ensino fundamental e médio é dividido entre o poder público e a família. O primeiro tem a responsabilidade de oferecer escola gratuita a todos os que estão em idade escolar. À família compete, segundo a Constituição e o Estatuto da Criança e do Adolescente, fazer seus filhos freqüentarem as salas de aula.

Reconhecemos, no entanto, a dificuldade que essas famílias têm em cumprir a parte que lhes cabe nessa tarefa. Por isso o governo federal universalizou o Bolsa-Escola.

Sabemos, ainda, que vivemos num país perversamente desigual. Como governo, temos também a missão de aproximar os mais pobres das diversas políticas públicas e oferecer-lhes serviços que contribuam para melhorar suas condições de vida. Para isso também temos uma estratégia consistente.

Trata-se do Projeto Alvorada, que reúne a ação de 15 programas federais nas áreas de educação, saúde e renda e já está chegando aos municípios com os mais baixos índices de desenvolvimento humano. Entre outras intenções, pretendemos suprir as necessidades básicas das famílias, promovendo o desenvolvimento local.

Ver a realidade com bons olhos é também parte desse grande esforço de transformação. Reparar nos avanços nos possibilita acreditar que isso é possível – e as mudanças já estão em curso. Que a cegueira de alguns não nos faça perder o bonde da História.

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Wanda Engel é Secretária de Estado de Assistência Social e coordenadora Nacional do

Projeto Alvorada

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25/09/2001