O fator “senso de ridículo“
O ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, diz que a decisão de excluir o inglês das provas eliminatórias para ingresso na carreira diplomática pretendeu remover um “fator elitista“. Segundo o chanceler, “foi uma decisão democratizante“ porque a exigência favoreceria candidatos ricos e filhos de diplomatas – como se milhões de jovens brasileiros que não são uma coisa nem outra não precisassem estudar inglês, e não o estivessem fazendo, para subir na vida. Doravante, no exame de admissão para o Instituto Rio Branco (IRB), o inglês apenas contará pontos, a exemplo do francês e espanhol. Diz mais o ministro: “Prefiro um diplomata que conheça bem o português e a história do Brasil a outro que saiba falar bem o inglês. Qualquer um pode aprender uma língua em três anos.“
Se assim é, o conhecimento de idiomas estrangeiros deveria ser simplesmente banido do vestibular para o curso que forma os quadros do Itamaraty, transformando-se o IRB numa escola em boa parte dedicada a ensinar línguas – quando de seu currículo, de nível de pós-graduação, fazem parte disciplinas que desde logo exigem razoável familiaridade com os principais idiomas, a começar do inglês, em que está redigida a literatura a ser dominada. E o que dizer da esdrúxula antinomia, de duvidosa boa-fé, produzida pelo chanceler? Desde quando os diplomatas brasileiros se dividem entre aqueles que conhecem bem o português e a história pátria e os que falam bem o inglês? O que impede que nossos diplomatas exibam todos esses predicados?
Haja disciplina profissional para considerar tais argumentos coisa séria antes de rebatê-los.
Este jornal critica freqüentemente o prisma ideológico que passou a orientar a diplomacia brasileira no governo Lula, a começar pela diplomacia comercial. Nesse caso, há um confronto de posições diante de uma questão substantiva. O Estado condena o anacronismo da linha terceiro-mundista da atual política externa que voltou aos tempos do “pragmatismo responsável“ do governo Geisel, inventado pelo chanceler Azeredo da Silveira. De todo modo, trata-se de um debate de idéias. Já em relação ao tema deste comentário, qualquer coisa que se pareça com uma discussão de fundo é flagrantemente impossível. Pois o que acabou de fazer a cúpula do Itamaraty, a partir de um indisfarçável antiamericanismo, movido, por sua vez, a complexo de inferioridade, foi demonstrar ter perdido o senso de ridículo. É assustador.
Deixar de exigir dos aspirantes ao serviço diplomático uma base em inglês, que, antes de mais nada, lhes permita se prepararem adequadamente para as funções que os esperam, sugere algo inconcebível: que os responsáveis pela tacanha iniciativa ignoram que de há muito o inglês substituiu o francês como língua franca das negociações internacionais – para não mencionar a universalização do uso do inglês nas ciências e na atividade econômica. Pergunte-se aos chineses – de quem Lula e Amorim ingenuamente tanto esperam — qual o idioma mais exigido de seus diplomatas, profissionais liberais, pesquisadores e empresários. A China, que sabe muito bem quais são os seus interesses, não comete patriotadas do gênero. No Chile, o governo socialista quer que toda a população entenda inglês falado e escrito no prazo de uma geração.
Essa manifestação de nativismo ressentido não é a primeira na gestão do chanceler Amorim e do idiossincrático secretário-geral Samuel Pinheiro Guimarães, cuja aversão a tudo que lembre os Estados Unidos tem todos os sintomas de uma paranóia. Em 2003, quando Washington passou a exigir a tomada de fotos e digitais de cidadãos de numerosos países, entre os quais o Brasil, no desembarque em território americano, o Itamaraty reagiu como se a Nação tivesse sido afrontada e levou o governo a dar o mesmo tratamento aos naturais da América aqui chegados. Amorim previu que isso induziria os EUA a receber os brasileiros da mesma forma que os portadores de passaportes cujas nacionalidades os dispensam de visto de entrada (o que não é o nosso caso). Obviamente, nada mudou – e o Brasil apenas conseguiu provar a sua desimportância para os gringos.
Mas, o pior é que, à parte o caráter infantil dessa retaliação e a ridicularia do rebaixamento do inglês no exame do Rio Branco, não se pode negar a coerência do Itamaraty. Todas as suas decisões estão impregnadas da mesma visão irrealista das relações internacionais e do papel que o País será chamado a desempenhar na ordem mundial.