“O legado da Rio+20”, carta de conjuntura do ITV

O Brasil conduziu a Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável a um desfecho decepcionante

ITV - 11/07/2012

Carta de Conjuntura do Instituto Teotônio Vilela

O Brasil conduziu a Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável a um desfecho decepcionante. A cúpula da qual se esperava novos caminhos para um mundo em que produção e consumo se dessem em maior harmonia com a preservação dos recursos naturais serviu apenas para postergar medidas e estabelecer uma agenda mínima para os próximos anos. O país-anfitrião jogou papel preponderante nesta frustração, enquanto internamente patina em trilhar o caminho da sustentabilidade.

A Rio+20 terminou sem que fossem estipulados objetivos de desenvolvimento sustentável, com metas, por exemplo, para a produção de energia, exploração de água, crescimento das cidades, proteção de oceanos e cultivo de alimentos. Tais diretrizes virão apenas em 2015, mas apenas se os países-membros da ONU lograrem chegar ao consenso do qual guardaram distância no Rio.

Outras duas expectativas importantes se frustraram. A primeira delas, a ambiciosa criação de um fundo para promover o desenvolvimento sustentável em países pobres. A Rio+20 começara com estardalhaço trazendo a perspectiva de adoção imediata de um bolo de US$ 30 bilhões para esta finalidade. Mas a proposta não durou mais que algumas horas, bombardeada pelos países desenvolvidos, ciosos de ter de dispor de dinheiro num momento em que se encontram mergulhados em crise econômica.

Também não prosperou a pretendida mudança de status do Pnuma (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente), que deveria ter sido convertido numa agência, com mais poderes e recursos. Igualmente naufragou proposta voltada à proteção dos oceanos nas áreas além das fronteiras territoriais dos países – que os negociadores brasileiros haviam capitaneado ao longo de meses, mas da qual abriram mão na última hora em favor de um anódino consenso em torno do documento final da conferência.

Sem ousadia
Em seus 283 parágrafos, o documento final da conferência mostrou-se pródigo no bom e velho diplomatiquês: há, no texto, muito “consideramos” e pouco “decidimos”. Manifestações costuradas por chancelarias são sempre enfadonhas e rocambolescas, mas a declaração final da Rio+20 mostrou-se um primor de falta de ousadia, de imprecisão e de incerteza quanto aos objetivos que se deve perseguir rumo ao desenvolvimento global sustentável doravante.

O Brasil optou por afastar os pontos de conflito – justamente os querepresentavam alguma esperança de avanços e novas conquistas. Nossa diplomacia preferiu empurrar para um futuro incerto o enfrentamento dos problemas, deixados a cargo de grupos de trabalho que nunca se sabe bem aonde conseguirão chegar. O “futuro que queremos” – título dado à declaração
final – ficou um pouco mais distante.

A avaliação geral é de que a condução do processo pela diplomacia brasileira colaborou para o fracasso da conferência. Nossos negociadores privilegiaram a consecução de um texto final, qualquer que fosse ele, em vez de buscar um documento robusto com compromissos, objetivos e metas. A Rio+20 legou apenas uma agenda, de adesão voluntária, para as 193 nações participantes. Tudo muito diferente da Eco-92, em que foram assinadas as convenções do Clima e da Biodiversidade, dois marcos da dimensão ambiental contemporânea.

Desenvolvimento insustentável
A falta de sintonia do governo brasileiro com a agenda da sustentabilidade não surpreende. Nos anos recentes, o Brasil tem adotado medidas em franca oposição ao que se espera de um país que busca ser um líder e uma referência ambiental, baseado na sua rica e imensa biodiversidade. Em muitos aspectos, temos nos posicionado na contramão do que se preconiza em termos de uso racional dos recursos naturais.

Um dos aspectos mais contraditórios está na nossa política energética. O país do etanol vem se transformando no paraíso do uso de combustíveis fósseis, sob forte incentivo do governo federal. O Brasil, que estava à frente de todo o mundo na pesquisa e no desenvolvimento de biocombustíveis, agora vive na dependência da importação de gasolina e até mesmo de álcool de outros países. Andamos para trás.

No ano passado, enquanto o consumo interno de gasolina cresceu 19%, o de etanol caiu 28%, tornando nossa matriz energética mais suja e poluente. Tudo isso porque a atual política anti-inflacionária incentiva o uso do fóssil e trava a demanda pelo renovável. Para completar, o governo brasileiro simplesmente eliminou a tributação incidente sobre a gasolina por meio da Cide, além de ter aumentado os incentivos para a compra de veículos. Tudo isso numa época em que todo o mundo busca alternativas de desenvolvimento baseadas numa economia de baixo carbono.

Trata-se de um quadro sem grandes perspectivas de alterar-se no futuro próximo. Pelas projeções da Empresa de Planejamento Energético, ao contrário do que acontece em todo o resto do mundo, não deve haver alteração significativa na composição da matriz brasileira de geração de energia nos próximos dez anos: as fontes renováveis deverão variar de 45,5% em 2011 para 46,2% em 2020 e as não renováveis, de 54,5% para 53,8%.

Nas parcas metas de redução de emissão de gases de efeito estufa (GEE) que o governo brasileiro tem se imposto, os compromissos são assustadoramente tímidos e pouco ambiciosos. No setor de transportes, por exemplo, responsável por 75% das emissões de GEE nas grandes cidades, o objetivo até 2020 é diminuir em 2% o crescimento projetado – não há comprometimento com cortes absolutos em relação aos níveis atuais de emissão.

Na realidade, a infraestrutura que se tem construído no Brasil vai de encontro à sustentabilidade e à economia de baixo carbono. Cerca de metade dos R$ 1,5 trilhão de investimentos previstos no país até 2015 é para combustíveis fósseis e somente 10% dos R$ 340 bilhões destinados a intervenções na área de transportes irão para metrôs.

O mundo tem avançado muito pouco em direção a compromissos ambientais sustentáveis. Nos últimos 40 anos, apenas quatro de um total de 90 objetivos ambientais importantes, frutos de acordos internacionais, foram atingidos, advertiu a ONU poucos dias antes da Rio+20. A conferência que teve lugar no Brasil poderia ter servido para dar impulso renovado a mudanças imperativas no rumo do desenvolvimento das nações. Infelizmente, o mundo encontrou um anfitrião pouco preparado para liderá-las, em prol de um futuro que todos não apenas queremos, como precisamos com urgência.

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11/07/2012