O preço dos medicamentos e o papel do Estado

Notícias - 28/01/2000

A polêmica gerada pela CPI dos Medicamentos evidencia posições divergentes sobre o modelo de incorporação do Brasil no capitalismo globalizado. As diferenças sobressaem em todos os segmentos da vida política brasileira, inclusive no Governo Federal, formado por um amplo espectro de representação social, unido em torno da aliança competentemente liderada pelo presidente Fernando Henrique.
Como reagir diante dos aumentos inexplicáveis dos preços de medicamentos, praticados por grandes laboratórios internacionais, com poder quase de monopólio?
Apoiando o trabalho da CPI dos Medicamentos – criada pelo deputado tucano Nelson Marchezan – o senador José Serra, ministro da Saúde, um dos principais líderes do PSDB e economista dos mais importantes do País, reclama a necessidade do Governo ter uma política ativa de fiscalização e intervenção no mercado, para proteger o interesse dos usuários de medicamentos, muitos deles consumidores de remédios de uso continuado, imprescindíveis à sua sobrevivência. De outro lado, o setor responsável pelo acompanhamento de preços do Ministério da Fazenda, considera a necessidade de prevalência das leis de mercado e a liberdade econômica, para justificar a atuação dos laboratórios e a não intervenção do Governo no caso.
A importância dessa discussão extrapola, em muito, a questão setorial, revelando a ponta visível de uma profunda divergência de visão do papel do Governo, entre expressivo e majoritário setor do PSDB e a orientação prevalecente, neste campo, na equipe econômica.
As autoridades que lideram a política econômica agem com fé irrestrita no mercado, recusando como atrasada e contraproducente, qualquer intervenção estatal que não seja estritamente fiscalizadora ou reguladora.
De outro lado, estão aqueles que, como os tucanos, querem aprofundar a discussão sobre política industrial e admitem intervenções setoriais para recuperar, assistir ou estimular setores econômicos. Até porque entendem isso como fundamental para a consolidação de um projeto de desenvolvimento nacional com autonomia, estabilidade e equilíbrio social, cuja viabilidade foi criada com o Plano Real.
Nenhum País significativo atingiu uma etapa madura de desenvolvimento sem objetivos nacionais e políticas setoriais conscientes, incluindo o tratamento privilegiado ao produtor e ao consumidor interno. Na verdade, o liberalismo exacerbado que alguns gostariam de praticar aqui, mesmo nos países centrais do capitalismo internacional, só existe para efeito retórico e ideológico. Na prática, os países desenvolvidos priorizam e protegem seus setores mais ameaçados pela competição internacional e estabelecem condições privilegiadas de desenvolvimento para segmentos estratégicos.
Assim, tentar inserir um país do porte do Brasil numa economia globalizada e altamente competitiva, sem o estabelecimento de um projeto nacional claro que compreenda objetivos estratégicos e meios de auto defesa, poderá nos condenar a um permanente papel secundário e frágil. A história já nos mostrou as limitações desse papel.
Defender uma presença mais ativa do Governo, como faz o PSDB, não pressupõe nostalgia do estado intervencionista e produtor e, muito menos, discordância com a absoluta prioridade para estabilidade financeira, pré-condição de qualquer projeto de Nação.
Simplesmente precisamos algo mais que políticas de estabilização. Embora recusando nacionalismos ingênuos ou demagógicos, é necessário aperfeiçoar o projeto nacional que está sendo construído democraticamente, levando-nos ao mundo globalizado sem nos deixar dissolver e mantendo nossa identidade. Precisamos, sim, de políticas setoriais e regionais consistentes, pressupostas inclusive no programa Avança, Brasil!, lançado pelo presidente Fernando Henrique como anúncio da retomada do desenvolvimento e de novas conquistas sociais.
Não seremos uma Nação se não pudermos proteger nossos cidadãos contra abusos como esses cometidos agora pelos grandes laboratórios farmacêuticos. Tais crimes, se praticados nos países de origem dessas empresas, seguramente implicariam punições severas.
Não seremos uma Nação desenvolvida se não construirmos, ativa e conscientemente, nosso caminho.

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28/01/2000