Oposição pra quê?
Em artigo publicado no jornal O Globo, José Serra defende a unidade interna do PSDB
Não podemos deixar o eleitorado que nos apoiou sem representação. É ele, inicialmente, que precisa receber uma resposta e convencer-se de que não jogou seu voto fora. Até porque as ditaduras também têm governos, mas só as democracias contam com quem possa vigiá-los, fiscalizá-los, em nome do leitor. Por isso a oposição sem de ter posições claras, ser ativa, sem se omitir nem se amedrontar. Uma eleição presidencial não é uma corrida de curta duração, de 45 dias, mas uma maratona de quatro anos. E ninguém corre parado.
Até quem votou no PT conta conosco para que ofereçamos alternativas, para que possamos aprimorar propostas do governo e denunciar, quando é (e como está sendo) o caso, a falta de rumo. Não se trata de fazer oposição sistemática ou não sistemática, bondosa ou exigente. Isso é bobagem! Essa questão não se coloca em nenhuma grande democracia do mundo. A oposição tem o direito e o dever de expressar seus pontos de vista e de batalhar por eles. É seu papel cobrar coerência, eficiência e honestidade.
A realidade está aí. O grave problema fiscal brasileiro velo à luz, herança do governo Lula-Dilma para o governo Dilma. A maquiagem nas contas não consegue escondê-lo. A Fundação nacional de Saúde (Funasa) se transformou no retrato perverso do aparelhamento do Estado, que não se vexa nem diante da realidade dramática da saúde – ou falta dela – dos pobres. O mesmo acontece em Furnas, palco de escândalos há muitos anos, expressão do loteamento do setor elétrico, onde os blecautes têm sido a regra, não a exceção. Se a oposição não se fizer presente agora, então quando?
Fazer oposição por quê? Porque o país experimenta um óbvio desequilíbrio macroeconômico, que reúne inflação alta e em alta, juros estratosféricos, câmbio desajustado, vertiginoso déficit do balanço de pagamentos e infraestrutura em colapso. As trapalhadas do Enem mostram que o PT tripudia sobre a esperança e o futuro dos jovens. A imperícia do governo na prevenção de catástrofes e socorro às vítimas não requer comprovação. Por que fazer oposição? Porque os brasileiros merecem um governo melhor e pagam caro por isso —. uma das maiores cargas tributárias do mundo, sem serviços públicos à altura. Temos o direito de nos apequenar com picuinhas? Foi para isso que recebemos um mandato das urnas?
O governo vem fazendo acenos à classe média e às oposições. Conta com o conhecido bom-mocismo dos adversários, tucanos à frente. Sua intenção é lhes tirar nitidez e personalidade, dividi-los e subtrair lhes energia e disposição. Até a próxima disputa eleitoral, quando, então, voltaremos a enfrentar os métodos de sempre: vale-tudo, enganações, bravatas e calúnias. Cair nesse truque corresponde a trair a confiança dos que votaram em nós e os interesses do nosso povo e do país.
O PSDB não sabe fazer oposição! Tanto em 2006 como em 2010, pesquisas Internas apontaram ser essa uma das criticas que o eleitorado nos faz. Ainda que fosse injusta, seria forçoso reconhecer que nos tem faltado nitidez. É razoável que o eleitor considere que não sabe governar quem não sabe se opor.
E nós temos os bons fundamentos! A quem pertence a bandeira da socialdemocracia no Brasil? O PT, fundado como um partido classista, sob a inspiração de partidos leninistas, varreu estatuto e ideário para baixo do tapete ao chegar ao poder e adotou como suas a plataforma e as ideias do adversário. Mas, longe de estar resolvida, após seis eleições presidenciais, sendo três vitoriosas, e dois governos depois, a contradição entre os “pragmáticos do mercado” e os “puros-sangues de lenin” ainda é um dos flancos do PT não devidamente explorados pela oposição, para prejuízo do país.
O PT adotou as bandeiras, mas perverteu sua prática. Privatizou as ações do Estado em benefício do partido e aliados. Banalizou o que a vida pública brasileira tinha de pior. Rebaixou a Saúde e a Educação. Transformou em instrumento eleitoral a rede de proteção social herdada do governo FHC. Virou as costas para a Segurança e descuidou-se da Previdência. A falsa “social-democracia” petista preside um processo de desindustrialização do Brasil e mantém como principal despesa do orçamento o pagamento de R$ 180 bilhões anuais em serviço da dívida pública Interna. Sem mencionar erros infantis, como o de reconhecer a China como economia de mercado, enfraquecendo nossos mecanismos de defesa comercial Que social-democracia é essa, que pôs a perder o ativismo governamental nas coisas essenciais, que caracteriza o Estado do Bem-Estar Social e seus alicerces?
Essa retomada dos valores da social-democracia, com seu respeito ao jogo democrático e sua prioridade à garantia de condições dignas de vida à população, há de tirar do PSDB o falso carimbo de partido da elite e marcar diferença com o PT, com suas práticas sectárias e/ou ineptas.
Para tanto, é fundamental ao PSDB fortalecer a unidade interna, dando uma resposta àqueles que nos delegaram um mandato por meio das urnas. Estou, como sempre, a serviço da população. ajudei a definir as bandeiras históricas do meu partido e sua renovação. Por elas e pela unidade, batalhei sempre. Ninguém andará em má companhia seguindo os Dez Mandamentos. Para quem está na política, sugiro um 11° , este de inspiração humana, não divina: “Não ajudarás o adversário atacando teu colega de partido.”
JOSÉ SERRA foi deputado, senador, prefeito e governador de São Paulo