… os 190 milhões de feridos!
Raul Christiano: o Estado precisa responder com ações e políticas públicas ao massacre de Realengo
Raul Christiano: o Estado precisa responder com ações e políticas públicas ao massacre de Realengo
O jornal “Folha de São Paulo” publicou entrevista de Thiago Costa Cruz, colega de escola do assassino da escola do bairro do Realengo no Rio de Janeiro, neste sábado (dia 9 de abril). Logo no início ele faz uma regressão no tempo em que conviviam na hora do recreio e pela vizinhança, sugerindo que Wellington Oliveira pode ter matado as crianças em represália pelo que aconteceu quando estudavam juntos: “Nós que devíamos ter morrido. Não era para ninguém ter pago por uma coisa que nós fizemos”, afirmou. Se essa reflexão valer para todos os casos de bullying ocorridos em nossas vidas escolares, principalmente, quantos mais “deformados” na infância ou na adolescência guardam essa fúria?
Essa interpretação leva àquela história, numa pequena cidade praiana em que quatro adolescentes atropelam e supostamente matam um caminhante. Temerosos das conseqüências desse ato involuntário, juntos decidem se livrar do corpo, atirando-o no mar. Mais tarde, quando se reencontram, uma das jovens protagonistas daquela ocorrência recebe um bilhete com os seguintes dizeres: “Eu sei o que vocês fizeram no verão passado”. Daí por diante rolam situações de terror. Mas o cinema americano e a própria vida real tem muitas outras versões de personagens que estrelam tragédias com justificativas psicóticas, a exemplo do Rio de Janeiro.
A imprensa vem tentando explicar com fatos novos e passados, as conseqüências, as razões e responsabilidades pela atitude de Wellington. A maioria delas mistura a formação do caráter do autor dos disparos de tiros, mortes e feridos, com o estado de violência que toma a comunidade global, diante das desigualdades sociais e econômicas, enganos e falhas educacionais, disputas por hegemonias de toda natureza. No entanto, o que sobressai dos seus títulos e imagens é a mesma dor, em qualquer parte do mundo, pelo sofrimento das perdas e do medo que ronda a nossa impotência de tentar entender melhor, reagir e exigir ações contundentes do Estado.
Reforçar a segurança das escolas, das ruas, portas de eventos sociais etc é o mínimo que o Estado deve fazer para responder à necessidade e sensação de segurança que todos os cidadãos precisam ter. Mas quem vai penetrar nas razões insuperáveis por alguns indivíduos, advindas do seio familiar, comunidade da escola, ambiente de trabalho e lazer? A quem compete essa tarefa senão a urgência de se cuidar dos meios e modos de informação com objetivos claros de educar e mobilizar para a convivência pacífica e a solidariedade entre os seus comuns?
Somos todos responsáveis. E nos últimos tempos vimos de maneira positiva os espaços destinados aos especialistas em educação para se evitar e agir em cada um dos casos de bullying, que se revelam atualmente. O passado, da infância, adolescência e juventude, retorcidas, no estágio atual desse mundo atormentado, só se resolve tratando com psicologia e psicanálise para a superação. As ocorrências de hoje em dia, da provocação direta a uma desconformidade ou comportamentos pessoais, ao cyberbullying, o Estado precisa responder com ações e políticas públicas que protejam integralmente os direitos das pessoas, desde o momento em que foram fecundadas.
Nunca aceitarei uma tragédia como a do Realengo, e acho perfeitamente expressiva e correta a manchete do “Diário de Pernambuco”, 12 mortos e 190 milhões de feridos. Eu creio que os homens públicos devam saber o que fizeram na primavera, verão, outono e inverno, passados!
Raul Christiano, 52 anos, jornalista, escritor, poeta e professor universitário. Dirigiu o Programa Bolsa Escola Federal (Governo FHC), Superintendência de Comunicação da CDHU (Governo Geraldo Alckmin) e Superintendência de Comunicação da SABESP (Governo José Serra). Coordenador de Comunicação da Secretaria dos Transportes Metropolitanos.