Pacto de silêncio
Sigilo eterno sobre documentos oficiais inaugura nova aliança das trevas
Sigilo eterno sobre documentos oficiais inaugura nova aliança das trevas
Ideli Salvatti estreou com sucesso no cargo de articuladora política do governo. Com a função de aparar arestas com seus aliados pemedebistas no Congresso, foi logo cedendo às graças de José Sarney e anunciou que o Executivo vai retirar a urgência do projeto de lei que redefine regras de acesso à informação pública. Está inaugurada a nova aliança das trevas.
Os senadores ganharão mais tempo para mexer no texto do projeto de lei que tramita no Congresso desde 2009. O resultado prático mais provável é que documentos oficiais classificados como ultrassecretos sejam mantidos eternamente sob sigilo. Além de Sarney, um dos maiores interessados em deixar tudo longe da luz do sol é outro senador e ex-presidente da República: Fernando Collor de Mello.
Atualmente, documentos ultrassecretos são sigilosos por 30 anos, renováveis indefinidamente. Há também papéis classificados como “secretos”, “confidenciais” e “reservados”, com prazos menores prorrogáveis uma única vez. Sobre estes, desenha-se um consenso: ganharão proteções mais curtas e não renováveis – a categoria confidencial deixará de existir.
A proposta que tramita no Congresso foi enviada pela gestão Lula. O texto original previa que o prazo máximo para a divulgação de informações ultrassecretas seria de 25 anos, com a possibilidade de prorrogação indefinidamente. Na Câmara, a proposta foi alterada e a prorrogação passou a ser permitida apenas uma vez, limitando o prazo máximo do sigilo a 50 anos.
A intenção de manter os documentos em segredo eterno foi revelada por Ideli no domingo, antes mesmo de ser empossada, e confirmada ontem pelo Planalto. Para a nova ministra, o melhor é retomar a forma do projeto original, com a possibilidade de renovação indefinida do sigilo.
A retirada da urgência fará com que a proposta fique nas mãos de Collor, presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado. “O projeto só deverá ser votado no Senado a partir de agosto e, como terá de retornar para a Câmara, a proposta pode terminar o ano sem definição”, prevê O Estado de S.Paulo.
Segundo a liderança do governo no Senado, ao retirar a urgência o objetivo é receber a colaboração dos dois senadores ex-presidentes. Para Sarney, o fim da proteção pode “abrir feridas”; para Collor, exibir todos os documentos é “temerário”. Se os dois são pelo sigilo eterno, não será difícil saber de que lado está o interesse público…
Sabe-se que as Forças Armadas e o Itamaraty também são contra a abertura dos arquivos. Quando ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff teria sido favorável ao fim do sigilo, “mas foi voto vencido”, segundo a Folha de S.Paulo. O projeto de Lula atendia o interesse de militares e diplomatas receosos que constrangimentos diplomáticos, comerciais ou históricos viessem à tona.
Se o primeiro ato da nova articulação do governo servir como cartão de visitas de Ideli Salvatti e companhia, é bom pôr as barbas de molho em relação ao que vem por aí. Se a intenção é ceder a qualquer custo para apaziguar ânimos de petistas fratricidas insatisfeitos, pemedebistas sedentos de poder e antigos adversários transformados em aliados, o preço será alto demais.
Articulação política e institucional deveria se fazer em torno de projetos com capacidade para mobilizar a sociedade. É tudo o que não se viu até agora na gestão Dilma. A estreia de Ideli sugere que a nova ministra está muito mais preocupada em operar o balcão de interesses varejistas que sempre caracteriza as relações entre governos petistas e o Legislativo.
Se a nova lei for aprovada da forma como deseja agora Dilma, a única diferença em relação às regras atuais é que a renovação do sigilo dos documentos ultrassecretos se dará a cada 25 anos e não mais 30. Ou seja, nada irá mudar e uma parte relevante da História do país continuará longe do conhecimento do público.
O PT demonstra, mais uma vez, horror à luz do sol e a preferência pela escuridão em que vicejam ilicitudes. Aconteceu assim com Antonio Palocci, que perdeu o cargo, mas não perdeu os clientes, ao se recusar a revelar como funcionava sua “consultoria”. Impera no petismo uma espécie de pacto de silêncio. É o caminho mais curto para as trevas.
Fonte: ITV – Carta de Formulação e Mobilização Política Nº 256
Este e outros textos analíticos sobre a conjuntura política e econômica estão disponíveis na página do Instituto Teotônio Vilela