Petista levava dinheiro na cueca por “razão de Estado“

Notícias - 15/07/2005

O Globo (15 de julho) – Apontado por um assessor do deputado José Guimarães como dono dos R$ 200 mil e dos US$ 100 mil apreendidos com José Adalberto Vieira, preso em São Paulo, o advogado petista Kennedy Moura Ramos nega ser dono do dinheiro. Afirma que recebeu do irmão de José Genoino, o deputado José Nobre Guimarães (PT), de quem Adalberto era assessor, um pedido para que assumisse ser o dono do dinheiro. Guimarães, amigo e padrinho de casamento de Moura, teria alegado razão de estado.

Ramos contesta a versão do deputado. Ele apresentou-se ontem ao Ministério Público Federal no Ceará, que abriu uma investigação. Ramos abriu mão do sigilo fiscal, bancário e telefônico e pediu exoneração do cargo de assessor especial da presidência do Banco do Nordeste na última segunda-feira. O presidente do BNB, Roberto Smith, anunciou ontem a abertura de uma comissão de sindicância para apurar um possível envolvimento do ex-funcionário.

O senhor está sendo acusado ser o dono do dinheiro que Adalberto transportava. O que o senhor tem a dizer a respeito?

KENNEDY MOURA RAMOS: Não sei absolutamente nada sobre origem ou destino desse dinheiro. Se fosse meu, teria ido buscar. Numa crise política dessa, ninguém manda, faz. A esta altura, do jeito que me acusam, já teria dito.

Por que o senhor teria sido envolvido?

RAMOS: Fiquei meio atordoado para saber por que meu nome estava aparecendo. Sou militante histórico do PT. Nessas horas começam a querer pôr a culpa em alguém. Quem é o culpado, qual a dimensão da culpa, este é um problema da Polícia Federal.

Por que o senhor avisou o deputado Guimarães da prisão de Adalberto?

RAMOS: Cheguei de Brasília às 3h da sexta-feira. (De madrugada) , o telefone tocou, minha esposa atendeu. Era o Adalberto. Ele me disse que estava detido. Perguntei por que e ele disse que estava com R$ 200 mil.

Ele não falou dos dólares?

RAMOS: Ele disse R$ 200 mil. Falei: tenha calma que vou procurar amigos em São Paulo. Sou advogado e conheço advogados. Pedi que corressem lá. Tentei ligar várias vezes para o deputado Guimarães porque era o assessor dele que estava preso.

O que o senhor disse a ele?

RAMOS: O Adalberto está detido em Congonhas. Ele perguntou: ele falou alguma coisa? E eu disse: não sei. E ele disse: graças a Deus. Passei a ele o telefone do escritório de advocacia. Tomei pé da gravidade no sábado à noite com a renúncia do Genoino. No sábado estava numa reunião e Guimarães me ligou chamando às pressas: “corra para cá que é uma razão de Estado“. Aí vem a dimensão da crise, que era o tamanho da tsunami em torno do processo político interno do PT.

Qual era a razão de Estado?

RAMOS: O Guimarães queria que eu assumisse que o dinheiro era para mim. E eu disse que não.

O senhor não perguntou por que ele fez esse pedido?

RAMOS: Fui convocado por razões de Estado. Não perguntei porque não quis saber. Não perguntei se aquilo o envolvia pessoalmente porque não queria saber. Só disse que não admitia porque tinha meu nome a zelar.

Ele citou o nome de alguém?

RAMOS: Não.

Por que ele teria feito esse pedido?

RAMOS: Já recebi muitos pedidos políticos. Para defender opiniões contrárias às minhas (e fiz) disciplinadamente. Quarenta e oito horas antes do primeiro turno da eleição passada, recebi uma ordem do deputado Guimarães para passar 48 horas em casa sem sair. Eu estava ajudando os meninos a organizar a boca de urna em favor da Luizianne Lins (no primeiro turno, o deputado José Guimarães apoiou Inácio Arruda, do PCdoB) . Cumpri a ordem. Mas não me proibiram de usar o telefone.

O que fez o senhor recusar esse pedido por uma razão de Estado?

RAMOS: Porque saiu do âmbito político e entrou no âmbito de enlamear a minha vida.

Como o senhor fez inimigos no partido?

RAMOS: Sempre fui dirigente do grupo chamado Campo Majoritário. Mas desde o instante que resolvi apoiar a Luizianne Lins como candidata a prefeita… Passei a ser olhado meio atravessado.

Por que instâncias?

RAMOS: Com meu próprio campo majoritário no Ceará e fora do Ceará também. O que estranhei na prisão do (José) Adalberto foi o comportamento do deputado (José) Guimarães. Eu acompanho o deputado desde sua primeira derrota para vereador em 1988. Guimarães é padrinho do meu casamento, é da cozinha da minha casa.

Mas quem disse que o senhor seria o dono do dinheiro não foi o deputado Guimarães e sim um assessor dele.

RAMOS: Hoje estou convencido que a versão foi combinada.

O dinheiro seria para abrir uma locadora de carros da qual seriam sócios a mulher de José Adalberto e José Vicente. O senhor já tinha ouvido falar nessa locadora?

RAMOS: Quem me disse foi o deputado Guimarães aqui (no escritório do advogado dele) porque ele estava se escondendo de mim.

Como o senhor marcou o encontro com ele quarta-feira?

RAMOS: Eu pedi que uma pessoa ligasse dizendo que o doutor Paulo (Quezado, advogado) queria falar com ele. Quando me viu, ficou pálido. Eu perguntei o que estava acontecendo, que meu nome estava envolvido, e ele disse que não sabia. Mas que tinha descoberto que havia essa locadora em nome do Adalberto e do José Vicente e da esposa do Adalberto. Eu olhei para ele e perguntei se ele achava que eu estava envolvido em qualquer coisa desse tipo e ele disse que não. Estranhamente, logo em seguida o senhor Vicente passou a dizer que o dinheiro era para mim. O interessante é que foi o Guimarães que descobriu a história da locadora. Ele não sabe nem abrir um computador.

Como o senhor reagiu?

RAMOS: O Vicente deu o dinheiro para o Adalberto viajar. Adalberto e ele são sócios. Os dois são assessores dele. Ele demitiu logo o Adalberto, mas não exonerou o sócio dele, esse que está dizendo que o dinheiro era para mim. Na verdade estão querendo me fazer de “bode respiratório“, como dizia um velho deputado do Ceará.

O senhor está dizendo que o deputado Guimarães sabia da viagem de Adalberto para São Paulo?

RAMOS: Estou vendo isso pela imprensa. Não posso afirmar. O que mais me doeu foi a saída de Genoino porque, até que se prove o contrário, ele é um homem de bem.

Uma das versões da PF é de que o dinheiro seria para um caixa dois do PT e que sairia de empresários beneficiados com recursos do FNE, gerido pelo BNB. O que o senhor tem a dizer sobre isso?

RAMOS: É uma hipótese absurda. Qualquer projeto no BNB é analisado pelo gerente, por uma comissão, pela auditoria, pelo jurídico, pela diretoria. Para acontecer um negócio desse eu seria o dono do banco. Impossível. Se um dia eu recebesse uma proposta dessa, daria voz de prisão. Eu também desconheço caixa dois no PT.

O senhor está insinuando que o deputado Guimarães, ao contrário do que diz, tem envolvimento nisso?

RAMOS: No rumo que está aí, estou com meu pé atrás. Não posso afirmar. Torço que não. Sou um homem apaixonado pelo Guimarães. O que mais me dói foi o comportamento que ele teve: de não me atender, de não conversar, se esconder, fugir de mim.

Se ele tiver algum envolvimento, isso chega ao ex-presidente Genoino?

RAMOS: Guimarães é Guimarães. Genoino é Genoino. Ele é só um ídolo para Guimarães. A dor do Guimarães é do ídolo dele que está sofrendo.

Por que o senhor pediu exoneração do BNB?

RAMOS: Para preservar o Banco do Nordeste.

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15/07/2005