Quatro anos sem Sérgio Motta

Notícias - 19/04/2002

Em 19 de abril de 1998, depois de uma longa agonia no hospital Albert Einstein, em São Paulo, morria o então ministro das Comunicações Sérgio Motta. Mais conhecido como Serjão, ele tinha-se transformado em uma das figuras mais populares e polêmicas do governo Fernando Henrique Cardoso. Doente desde 1990, sempre deixou de lado sua saúde frágil para dedicar-se com energia à política e à defesa de suas convicções. Sua coragem nos últimos dias de sua tumultuada e maravilhosa vida emocionou-me de uma forma insuportável. Um dia, em sua casa em Brasília, ele havia me dito, com a frieza com que encarava a morte inevitável, que se ele faltasse seria minha a responsabilidade de levar adiante a desregulamentação e a privatização do sistema Telebrás.

A modernização e a universalização do sistema de telefonia no Brasil era a sua grande obra administrativa. Homem de ruptura, Sérgio, que já havia terminado com a tradição do Ministério das Comunicações de ser um instrumento de ação política do governo, via a entrega discricionária e gratuita de concessões de rádio e televisão a apadrinhados políticos. Desejava para o Brasil de seus sonhos possíveis o telefone nas casas dos brasileiros mais humildes. Até então, era necessário pagar mais de R$ 3.000 para ter um telefone em casa ou no local de trabalho. Para ter acesso a esse notável instrumento moderno que é o celular, a barreira financeira era intransponível para o povão. Coisa de luxo de gente rica, dizia ele.

Quando de sua chegada ao ministério em 1995, homem que defendia com unhas e dentes a presença da empresa pública nos serviços essenciais ao cidadão, assustou-se com a concentração da propriedade de telefones no Brasil de Getúlio Vargas. Mais de 88% pertenciam a brasileiros das classes de renda A e B. No caso do celular, eram quase 100%. Diante do fato incontestável de que os investimentos necessários para permitir a universalização dos telefones neste Brasil continental e injusto em que vivemos estava acima da capacidade financeira de uma empresa pública, Serjão não teve dúvidas em partir para a privatização do monopólio estatal.

Sua motivação não foi ideológica, mas decorrente de seu pragmatismo e realismo político. Não foi o consenso de Washington, como posteriormente iriam bradar enlouquecidos seus adversários políticos, ou uma opção tardia pela ideologia fácil do liberalismo extremado o que motivou Sérgio a romper com seu passado. Foi o profundo respeito pelo povo mais humilde, que luta desesperadamente por condições econômicas melhores, que iluminou seu caminho. Em poucos meses de ministério, Sérgio percebeu que no mundo moderno o telefone não era mais apenas um instrumento de comunicação, mas um instrumento de trabalho importantíssimo para o sucesso profissional de ricos e pobres.

A decisão política tomada colocou em campo o trator racional e eficiente que ele trazia dentro de si. Em três anos trabalhou em um modelo de privatização que garantisse contratualmente a universalização da telefonia no Brasil. Os novos concessionários privados poderiam buscar a maximização de seus lucros, objetivo legítimo e necessário para o sucesso do modelo, desde que garantissem o acesso a todos os brasileiros. Definidas essas linhas políticas mestras, o ministro-trator levou ao Congresso as leis necessárias para a passagem do monopólio público ao serviço concorrencial privado. A energia gasta para a aprovação rápida desse novo arcabouço legal, com a implantação de um órgão regulador forte e voltado para o cumprimento estrito dos contratos de concessão, fez falta depois, quando a doença se agravou.

Mas ninguém, nem a família nem os amigos mais próximos, podia interromper sua ação e, em meados de 1998, ele estava pronto para o último passo nessa sua marcha heróica e ensandecida por um Brasil igualitário, pelo menos na propriedade e no uso dos telefones. Ele já havia realizado com êxito a venda das licenças para a operação da chamada banda B da telefonia celular. Por vários bilhões de dólares, valores até muito superiores ao preço mínimo fixado pelo governo, ele engordou o caixa do Tesouro. “Estou vendendo vento por bilhões de dólares“, dizia ele com um sorriso legítimo.

Sua morte fez com que coubesse a mim e a André Lara Resende a realização do leilão de venda das 12 empresas em que havia sido dividida a antiga Telebrás. Confesso que foram os meses mais difíceis da minha vida profissional. A responsabilidade de terminar com êxito a tarefa iniciada por Serjão era insuportável. Mas, graças a Deus, apesar da terrível crise externa que se aproximava, o governo conseguiu vender por preços elevadíssimos o controle acionário das teles. O preço mínimo fixado pelas empresas que haviam realizado a avaliação econômica das 12 companhias era de aproximadamente R$ 9 bilhões. Devido ao interesse que André e eu tínhamos identificado em nossas viagens para vender o produto Telebrás, o BNDES e o Ministério das Comunicações resolveram fixar em mais de R$ 12 bilhões o preço mínimo do leilão. O total arrecadado foi, no final, superior a R$ 22 bilhões. Um sucesso absoluto.

Hoje, o Brasil tem telefones de sobra. E estamos sendo acusados de ter vendido caro demais a pobres e inocentes investidores as 12 empresas do sistema Telebrás. A luta agora é para dar renda aos brasileiros a fim de que possam utilizar os telefones disponíveis quase gratuitamente. Serjão, onde você estiver, nós vencemos!

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Luiz Carlos Mendonça de Barros, 59, engenheiro e economista, é sócio e editor do site de economia e política Primeira Leitura. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo Fernando Henrique Cardoso).

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19/04/2002