Real: sete anos de avanços
O aniversário dos sete anos do Plano Real coincide com uma conjuntura econômica difícil: inquietação do mercado com a instabilidade argentina, perda de dinamismo da economia norte-americana e crise energética no Brasil.
Um olhar retrospectivo sobre a trajetória brasileira nesse período ajuda a colocar o presente em perspectiva. O Real foi o grande divisor de águas de nossa economia. Fez o país ingressar num círculo virtuoso de estabilização, crescimento e maior poder aquisitivo para os assalariados mais pobres.
O país recuperou sua credibilidade externa e retomou a capacidade de planejamento a longo prazo. O governo Fernando Henrique Cardoso lançou um vigoroso programa de privatização, que promoveu a eficiência das telecomunicações, ampliou o acesso da população à telefonia e expandiu para 10 milhões os usuários da internet.
Com a reforma do Estado, o Brasil ingressou na era da moderna regulação, com as agências executivas em funcionamento. Uma primeira lição surge desse balanço. O governo construiu uma economia sólida, ao eliminar a inflação desagregadora de valores e alimentadora de ineficiência e desigualdade, ao reestruturar o sistema financeiro em bases firmes e ao modernizar o parque industrial e o setor de serviços, mais adaptados às exigências da competição.
Alguns indicadores econômicos básicos explicam essa evolução: 1) o crescimento médio do PIB nos últimos seis anos foi de 2,9%, tendo sido de apenas 0,6% nos seis anos anteriores; 2) a taxa de inflação nos 12 meses anteriores ao Real era de 5.200%, passando a 5,97% em 2000; 3) investimentos estrangeiros diretos passaram de US$ 2 bilhões, em 1994, para US$ 32 bilhões, em 2000; 4) entre 1994 e 2000, os telefones fixos passaram de 13,3 milhões para 38,3 milhões; os telefones móveis, de 800 mil linhas para 23,2 milhões; 5) em 1994, um salário mínimo adquiria apenas 60% de uma cesta básica, enquanto hoje vai bem além (123%); 6) cerca de 465 mil famílias foram assentadas no âmbito do Programa de Reforma Agrária entre 1995 e 2000. O Brasil passou da quinta posição entre os países de maior concentração de terras para o 12º lugar. A segunda lição estaria ligada ao surgimento de nova concepção de desenvolvimento social e de políticas públicas. A nova visão baseia-se em crescentes parcerias entre governo e sociedade, em mais ampla participação de entidades da sociedade em projetos sociais e no consequente abandono do clientelismo/assistencialismo.
O governo Fernando Henrique despolitizou projetos sociais e já deixou para trás a marca registrada do assistencialismo. O crescimento exponencial dos voluntários em trabalhos sociais é uma sinalização dessas novas tendências, em que o projeto Comunidade Solidária tem papel decisivo. Assim, estamos construindo novas pontes entre o esforço indispensável do governo e a iniciativa essencial da sociedade, cuja participação mais ampla traduziu-se no admirável esforço para economizar energia diante da crise, com resultados altamente positivos. No campo da educação e saúde, as políticas públicas não mais seguiram o modelo assistencialista/paternalista. A divisão de recursos entre o Estado e seus municípios passou a ser proporcional ao número de alunos matriculados. Com esse critério técnico, reduziram-se os pleitos políticos paternalistas. Outro exemplo é o programa Dinheiro Direto na Escola, que elimina a manipulação política de verbas, agora controladas pelas próprias comunidades.
Na área de saúde, os recursos do Fundo Nacional de Saúde passaram a ser transferidos automaticamente para fundos estaduais e municipais. A introdução dos remédios genéricos é outra história de sucesso, em que o binômio interesse privado e responsabilidade social começa a encontrar maiores convergências. O desfecho construtivo -e mundialmente aplaudido- da questão das patentes para medicamentos de tratamento da Aids também reflete visão mais equilibrada daquele binômio.
Ao longo do governo Fernando Henrique, não só houve sensível aprimoramento da qualidade das políticas públicas como ocorreu marcante evolução nos indicadores quantitativos. Vejamos alguns exemplos: 1) a atual taxa de escolarização é de 97%, quando no início da década era de 82%; 2) a remuneração dos professores melhorou: no Nordeste, o aumento de salário médio foi de 94% em 2000, passando de R$ 168,00 para R$ 326,00; 3) o programa TV Escola já atinge 1 milhão de professores e 28 milhões de alunos, em comparação com 18 milhões em 1997; 4) a taxa de analfabetismo caiu de 18,3% em 1990 para 13% em 2000; 5) o programa Agentes Comunitários de Saúde expandiu-se vigorosamente, passando de 30 mil agentes em 1994 para cerca de 154 mil em abril de 2001. É a saúde preventiva em funcionamento, com o monitoramento mensal de mais de 91 milhões de pessoas; 6) a queda na taxa de mortalidade infantil, por mil nascidos vivos, teve acentuado declínio, passando de 47,8, no início da década de 90, para 35,3, em 2000; 7) a erradicação do trabalho infantil, que em 1996 alcançava apenas 3.700 crianças e adolescentes, hoje atinge 395 mil; 8) o número de pessoas pobres no Brasil reduziu-se em 10 milhões, entre 1995 e 2000.
A terceira lição é a verificação de que o avanço mais notável nestes sete anos não ocorreu no governo, mas na sociedade. Os planos econômicos e os programas sociais criaram condições para o avanço da sociedade, deram rumo e coerência às transformações. Mas as mudanças mais profundas emergiram do crescente engajamento e maturidade da sociedade brasileira. Somos hoje uma nação politicamente mais exigente, que cobra responsabilidade fiscal de seus dirigentes, mais consciente de que a boa gestão econômica não é incompatível (muito pelo contrário) com a melhoria da situação social. Os sete anos do Real coincidem com um momento de turbulência econômica internacional. Mas uma conjuntura adversa não deve ocultar uma estrutura promissora, que consolidou conquistas econômicas, promoveu desenvolvimento social em bases sustentáveis e está construindo um novo Brasil para o século 21.
Andrea Matarazzo, 44, é ministro-chefe da Secretaria de Comunicação de Governo.