Responsabilidade nas contas públicas

Notícias - 01/01/2001

A vulnerabilidade das contas externas é, hoje, a principal ameaça ao crescimento econômico. Para que nossa economia volte a expandir-se a taxas que superem em muito as da expansão demográfica, é fundamental não apenas colocar o déficit público sob controle, mas também reduzir progressivamente o nosso déficit de contas correntes para um nível que torne o seu financiamento muito fácil.
A solução não virá como um “big bang“, será um processo gradual. É preciso, porém, enfrentar logo o problema. A melhor forma seria buscar uma grande mobilização nacional, unindo empresários, trabalhadores e governo, com o objetivo de expandir as exportações e de estimular a produção de bens e serviços locais em substituição a importados -isso por meio de políticas modernas de comércio exterior.
O presidente FHC já tinha lançado o bordão: exportar ou morrer. Agora o ministro José Serra propôs a “responsabilidade cambial“. Valeu-se de uma metáfora, uma figura retórica, para lançar a idéia e atrair a atenção para o problema. Ele o fez num ambiente apropriado: um auditório da Câmara lotado de pessoas interessadas em discutir o futuro do país diante da formação da Alca (Área de Livre Comércio das Américas).
Num mundo cada vez mais imprevisível e turbulento, o país precisa melhorar a gestão de suas contas externas. Nada que se aproxime de práticas protecionistas à antiga. É impensável a possibilidade de imposição de restrições a importações para garantir metas de desempenho nas contas externas. Seria tão absurdo quanto o fechamento de hospitais públicos para assegurar o cumprimento de objetivos fiscais.
É numa perspectiva mais ampla que deve ser entendida a proposta da responsabilidade na gestão das contas externas. O que se pretende é construir um conjunto de políticas que permita a redução gradual e progressiva do déficit em transações correntes.
As importações devem ser mantidas sem amarras -algo que não pode ser diferente num mundo cada vez mais envolvido em negociações comerciais. O que o PSDB defende é a adoção de políticas que estimulem a substituição modernizante de importações e impulsionem as nossas vendas para o exterior.
Trata-se de aprofundar estratégias que já começaram a ser traçadas pelo ministro Sérgio Amaral. Ninguém mais quer jogar fora dinheiro público no ralo de subsídios ineficientes e escondidos do Orçamento público. Precisamos de agressividade em nossa política de comércio exterior e de políticas industriais efetivas. Falta-nos, agora, dar maior consistência ao modelo em vigor.
Continuamos precisando, com mais urgência ainda, da reforma tributária. A intensificação das negociações com vistas à formação da Alca, à aproximação entre Mercosul e União Européia e à realização de uma nova rodada multilateral, daqui a poucas semanas, no Qatar, só reforça o grau de prioridade que deve ser dado ao tema.
Aliás, por falar em outros países, o que se defende é que o Brasil adote as mesmas políticas e práticas de promoção de competitividade que adotam os EUA, a Europa e os países mais desenvolvidos. Por que eles podem fomentar a criação de novas indústrias e novos empregos e nós não podemos fazer o mesmo, usando os mesmos instrumentos deles?
O Brasil não pode ter vergonha de adotar políticas mais agressivas de promoção comercial e de defesa dos interesses da produção nacional. Precisamos, cada vez mais, dar respaldo político a nossos negociadores envolvidos no xadrez dos vários tabuleiros comerciais. Por que não buscar no pragmatismo americano a experiência de uma ativa agência de comércio exterior para defender nossos interesses comerciais?
A luta contra barreiras a produtos brasileiros terá de ser cada vez mais o objetivo central da política externa brasileira. O apoio às exportações deve ser o mais relevante entre os principais objetivos da política econômica do país. Não tem sido assim. Desde meados dos anos 90, o déficit em conta corrente mostra-se o principal freio ao crescimento da nossa economia.
O país não precisa importar menos. Necessita, na verdade, gerar crescentes superávits comerciais. O que, de resto, a sobrevalorizada taxa de câmbio atual já nos permite e, possivelmente, permitirá alcançar por um bom tempo. Sem protecionismo, sem elevar tarifas nem impor restrições quantitativas às importações, como fazem abusivamente nossos concorrentes, é possível melhorar nossas contas externas, impulsionando as exportações e a substituição de importados por produtos nacionais.
A LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal) foi uma das principais conquistas recentes da economia brasileira. Está sendo essencial para enfrentarmos mais um choque externo sem maiores sobressaltos, especialmente em relação à capacidade dos governos de honrar seus compromissos, seja em relação à dívida, seja no controle da inflação.
De igual maneira, precisamos de uma gestão, por meio de políticas avançadas, de nossas contas externas. Uma gestão que conduza o passivo externo líquido do país a uma trajetória equacionada. Um sistema que leve à responsabilidade na gestão das contas externas servirá para afastar incertezas excepcionais sobre a nossa taxa de câmbio, da mesma forma que a LRF ajudou a gerar confiança quanto ao controle das contas públicas e afastou maiores temores acerca da inflação. Agora e nos próximos anos, combater o déficit em conta corrente será tão prioritário quanto foi estancar o déficit fiscal.

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Antonio Kandir, 48, é deputado federal (PSDB-SP). Foi secretário de Política Econômica do Ministério da Economia (governo Collor) e ministro do Planejamento (governo FHC).

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01/01/2001