Um consenso com a sociedade

Notícias - 01/10/2001

O receituário do Consenso de Washington pretendia remodelar os Estados nacionais dos países em desenvolvimento, com maior participação da “mão invisível“ do mercado em setores produtivos até então sob propriedade pública, permitindo, pelo menos em tese, o direcionamento das forças desses Estados às suas “tarefas clássicas“. A prioridade máxima seria o controle da inflação que, articulado ao conjunto de medidas modernizadoras, garantiria maior competitividade e taxas mais elevadas de crescimento.

 As recomendações revelaram-se limitadas. A ameaça de instabilidade persiste. O controle da inflação é mantido a custos sociais insustentáveis. A experiência não legou um processo distributivo consistente, já que a ênfase do Consenso estava focada exclusivamente no ajuste e no crescimento.

 Nesse quadro, surge o Dissenso de Washington, uma comissão que, ao contrário do que se poderia imaginar, não é uma iniciativa de nacionalistas tradicionais, mas de atualizadas lideranças da América Latina, técnicos do FMI, assessores do Banco Mundial e que soma a experiência direta de governantes à observação sistêmica de especialistas vinculados às fontes inspiradoras do Consenso para propor uma ousada revisão, com especial atenção aos aspectos de eqüidade social.

 O Dissenso recomenda, inicialmente, maior regulamentação da disciplina fiscal, pois são sempre os mais pobres que pagam a conta quando os governos gastam mais do que arrecadam. Prevê ainda mecanismos que garantam maior previsibilidade aos ciclos econômicos, com menor variação nas taxas anuais de crescimento. Nos períodos de expansão, os pobres se beneficiam menos, com vantagem para quem possui ativos reais e financeiros, mas são os primeiros a perder postos de trabalho com a recessão.

 Outro aspecto apontado é a necessidade de criar redes de proteção social e cita-se o programa Bolsa-escola, no Brasil, como um exemplo a ser perseguido. A Educação é uma referência central nas recomendações do Dissenso, com ênfase na autonomia, programas pré-escolares e acesso aos recursos digitais. Estudos do BID estimam que o aumento em um ano na escolaridade média da força de trabalho seria capaz de produzir um crescimento econômico de um ponto percentual por ano.

 Na questão tributária, a comissão defende um sistema que privilegie os impostos progressivos, como o de renda para pessoa física, desonerando as faixas sociais mais pobres. Isso se justifica, quando observamos que a média de arrecadação da América Latina é de 18% do PIB, contra 30 a 50% dos países avançados.

 O Dissenso sugere a ampliação do crédito e a desburocratização dos procedimentos para pequenas empresas, que criam cerca de 70% dos novos empregos nos países em desenvolvimento. Por outro lado, reclama garantias sociais para compensar a desregulamentação das regras trabalhistas.

 Ao propor mais ênfase na ampliação do crédito e eliminação de impostos para o mercado de terras, o estudo lembra que 60% dos pobres do continente vivem em áreas rurais, mas o que produzem participa em apenas 8% do PIB.

 Por fim, orienta os serviços públicos para uma efetiva proteção aos direitos do consumidor, combatendo monopólios e garantindo oferta de serviços nas áreas de baixa renda.

 O relatório da comissão conclui reclamando aos países ricos um compromisso com o desenvolvimento das nações periféricas, propondo a redução de políticas protecionistas, uma reivindicação permanente abaixo da linha do Equador.

 Os resultados ali apresentados indicam uma reação independente e equilibrada às tentativas insuficientes de impor às nações regras uniformes, regulares e pretensamente permanentes. Apenas procedimentos internacionais cooperativos e processos internos abertos e participativos podem dar bom curso a um projeto sustentável de desenvolvimento para a região.

 É isto o que propõe o Dissenso: um consenso com a sociedade.

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Lúcio Alcântara, Senador (PSDB-CE), é Presidente da Comissão de Assuntos Econômicos do Senado

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01/10/2001