Visita ao Paraguai (2)
A usina de Itaipu está na origem das transformações que o Paraguai atravessou nos últimos anos. Durante a construção, formou-se uma classe dirigente, liderada por engenheiros e advogados, que abocanhou boa parte do dinheiro como o país nunca vira antes. Donos do capital, esse grupo derrubou Stroessner, contestou o mando dos generais e se proclamou democrata.
Os paraguaios chamam de “barões de Itaipu“ os empresários que se tornaram milionários com a construção da usina brasileira e, depois, com a construção de Yaciretá, argentina. Os grupos econômicos que formaram figuram todos entre os 20 maiores do país, no levantamento feito pelo jornalista Anibal Miranda no livro “Los dueños de las grandes fortunas“. Calcula ele que, tanto em Itaipu como em Yaciretá, os paraguaios levaram apenas US$ 1 de cada US$ 5 gastos. Mesmo assim, estima a fortuna do empreiteiro Juan Carlos Wasmosy, o homem mais rico do Paraguai, em US$ 1,4 milhão.
Wasmosy elegeu-se presidente da República e foi o primeiro na história paraguaia a cumprir integralmente o mandato e a passar a faixa presidencial ao sucessor eleito. Esse sucessor foi outro beneficiário da farra de Itaipu, o engenheiro elétrico Raul Cubas, cuja fortuna Miranda calcula em US$ 550 milhões. Ligado ao general Lino Oviedo, populista militar que estava preso e condenado a dez anos de prisão por tentativa de golpe de estado, três dias depois da posse Cubas perdoou Oviedo e mandou soltá-lo. Formou-se um conflito institucional entre o Executivo, o Judiciário e o Legislativo com manifestações de rua contra Cubas, tanques na praça do Congresso, tiros contra a fachada do Senado, nove jovens mortos e, finalmente, a renúncia do presidente, que se asilou no Brasil. Foi substituído pelo presidente do Senado, Gonzalez Macchi. Essa solução constitucional foi obtida por pressão do Brasil, da Argentina, do Uruguai e dos Estados Unidos. Os países membros não poderiam tolerar uma ditadura no Mercosul.
“O Paraguai é um país em transição, sob todos os pontos de vista“, diz Carlos Mateo Balmelli, cientista político, ideólogo do Partido Liberal, que, por lá, cumpriu o papel oposicionista do MDB no Brasil e ainda não sofreu a erosão moral do equivalente brasileiro.
Stroessner montou um tripé para se manter no poder: Forças Armadas, aparelho do Estado e Partido Colorado. As Forças Armadas não têm dinheiro hoje nem para pagar a gasolina que usam. O regimento de tanques, base de Oviedo, foi dispersado por vários quartéis do interior e, no Dia da Pátria, um trator teve de rebocar meia dúzia de Cascavéis e Urutus para o campo de parada. Como o trator quebrou, ficaram por lá até que fossem consertados. O Partido Colorado, que conserva apoio popular, está dividido em três correntes. Pode até perder as eleições de 2003. O aparelho do Estado continua o mesmo, o que produz situações estranhas. Vi uma entrevista na TV na qual o controlador-geral da República queixava-se de ter descoberto microfones no gabinete. Coletou impressões digitais e passou as informações ao Ministério Público e à polícia, que, há meses, não tomam providências.
“Está tudo igual à ditadura. A única coisa que mudou é que agora podemos gritar e publicar denúncias na imprensa“, diz Luis Alfredo Resck, velho defensor dos direitos humanos, democrata-cristão com ligações em toda a América Latina, que é uma espécie de Sobral Pinto paraguaio.
Na economia, as mudanças foram para pior. A corrupção continua generalizada e impune. Só que, estando o país em recessão devido às crises na Argentina e no Brasil, há menos dinheiro para se roubar. A abertura dos mercados dos dois grandes vizinhos reduziu o interesse pelo contrabando, a não ser pelas quinquilharias asiáticas que os sacoleiros levam para as feiras de ambulantes nas cidades brasileiras.
Resta a binacional de Itaipu. Fernando Henrique fez uma maldade com os paraguaios: nomeou para presidir o lado brasileiro Euclides Scalco, o incorruptível. Os paraguaios, pensando em sacaneá-lo, nomearam Frederico Zayas, ex-ministro da Fazenda, considerado o único homem público honesto do país. Os dois se deram às mil maravilhas e resolveram sanear a empresa. O número de funcionários passou de 7.300 para pouco mais de três mil. As duas últimas turbinas custaram US$ 94 milhões cada, em vez de US$ 300 milhões, preço das outras, embora compradas da mesma fabricante, a Siemens. Havia, em Curitiba, 58 carros para servir à diretoria. Agora são 16. O jeton dos conselheiros e dos diretores passou de US$ 5 mil para mil dólares mensais. Um figurão paraguaio queixou-se ao embaixador do Brasil:– Em matéria de honestidade, esse senhor Scalco é insaciável.
Deus o guarde.