Rubens Barbosa: Política externa de Dilma terá um perfil mais baixo
Embaixador acredita que, no início do governo, presidente dará mais ênfase à política interna
Embaixador acredita que, no início do governo, presidente dará mais ênfase à política interna
Diferente do que defendem os analistas, o governo da presidente eleita, Dilma Rousseff, do PT, não deverá trazer mudanças na política externa brasileira que, no governo do também petista, o presidente Lula, esteve afastada do seu eixo tradicional.
Em editorial nesta sexta-feira, o jornal O Globo defende que “é hora de uma reavaliação dos rumos” que, nos últimos anos, teve como pontos fracos o “afastamento de Washington e namoro com déspotas”.
Mas mudança não é o que espera o embaixador Rubens Barbosa, titular da embaixada brasileira nos Estados Unidos no governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e hoje consultor de negócios. Ele assegura que a aproximação com o Irã causou estragos ao Brasil e abalou as relações do País com os Estados Unidos.
Esta semana ele deu entrevista ao site do PSDB e falou o que espera da política externa do governo Dilma.
Veja a íntegra:
– No governo do presidente Lula, a política externa refletiu mais as linhas partidárias do PT do que uma política de Estado ? O que se pode esperar da política externa no governo da presidente eleita Dilma Rousseff?
RB – Durante a campanha eleitoral, a presidente eleita disse que iria manter e aprofundar a política externa do Presidente Lula. Não se sabe ainda quem vai ser o ministro do exterior. Tudo indica que a política externa terá um perfil mais baixo. A personalidade da presidente eleita é diferente da de Lula. Ela,no início de seu governo, deve concentrar-se mais na política interna do que na externa, sem o protagonismo do atual governo.
– Em relação ao Irã, por exemplo, Dilma já sinalizou que deverá haver mudanças de forma e não de conteúdo. O argumento é o de que a política externa deve buscar a paz e não o conflito. Ao mesmo tempo, o Brasil não está virando as costas para todos os países que criticam o regime iraniano? O sr. acredita que realmente o que Brasil busca é o apoio do Irã para seus interesses na ONU?
RB – O presidente Lula disse que o Brasil não tinha nada a ganhar ao defender o Irã e a Ahmadinejad. A menos que haja uma agenda oculta, o que parece pouco provável, a atitude do governo brasileiro é inexplicável à luz de nossos interesses nacionais.
– O governo Lula preferiu uma política de antagonismo, quase confronto, em alguns momentos até desdém com os Estados Unidos. Isso foi um rompimento com as tradições? Ou significa um avanço?
RB – A política externa em relação aos EUA em grande parte é motivada ideologicamente. Em diversos setores do governo Lula prevaleceu o sentimento anti-americano que impediu que aproveitassemos as possibilidades de maior acesso ao mercado norte-americano para produtos brasileiros e a busca de cooperação em ciência e tecnologia e inovação.
– Como será com Dilma? Pois ela já criticou o governo americano pela emissão dos US$ 600 bilhões no mercado. E o ministro Mantega, que deve continuar no cargo, também não poupou críticas aos EUA defendendo que o dólar seja substituído por um mix de moedas nas transações internacionais. Como o senhor acha que o governo americano recebe todas estas críticas?
RB – A partir do apoio político que o Brasil ofereceu ao governo teocrático autoritário de Teerã e ao programa nuclear iraniano, cujas finalidades são pelo menos duvidosas, o relacionamento com o governo de Washington ficou muito abalado. O voto contra do Brasil na votação de sanções contra o Irã no Conselho de Segurança da ONU agravou ainda mais a situação. Lula e Brasília ficaram bastante desgastados perante a comunidade internacional, mas sobretudo em Washington. As posições do Brasil no G 20 com as críticas e acusações contra os EUA e a questão da redefinição da estratégia da OTAN no Atlântico Sul são mais alguns elementos negativos no imbrólio criado com os EUA. O governo norte-ameriano, contudo, quer retomar os contatos de alto nível com a nova presidente a partir do inicio de 2011. Espera-se que o governo de Brasília reaja positivamente a essa aproximação.
– Outra medida do atual governo foi a expansão do número de embaixadas brasileiras em todo o mundo inclusive com países com quem o Brasil praticamente não tem relações comerciais. Com países polinésios, por exemplo, e alguns na África. O que o Brasil pode ganhar com todas estas novas embaixadas, se é que ganha?
RB – A expansão do número de embaixadas brasileiras no exterior é um dos desdobramentos da política de ampliar a presença do Brasil no mundo e de ganhar apoio para a pretensão brasileira de assento no Conselho de Segurança da ONU como membro permanente. O custo/beneficio da criação dessas embaixadas é muito baixo e, no tocante ao Conselho de Segurança, desnecessário porque o assunto não está em pauta. Quando a ampliação do Conselho de Segurança entrar em discussão, o Brasil é candidato natural e, se a política externa não cometer mais equívocos, deverá ser eleito pois temos todos os requisitos para nos qualificarmos..
– Na campanha, quando o então candidato, José Serra, fez críticas à Bolívia por não tentar controlar a saída de drogas para o Brasil, Dilma reagiu dizendo “Não podemos desprezar nossos vizinhos nem olhar com soberba para os outros problemas. Acredito em uma América Latina forte”. A visão dela é a que vigorou na campanha dos “ricos contra os pobres”?
RB – A influência do PT na formulação e execução da política externa nos últimos anos do governo Lula foi enorme e reproduziu na esfera federal a dualidade patrão-empregado, rico-probre, desenvolvido-subdesenvolvido. Tudo indica que a politica externa no governo Dilma tera razoável grau de continuidade, com naturais diferenças de ênfases e de estilo.
– No período Lula, o Brasil teve, na prática, “dois” chanceleres – Celso Amorim e Marco Aurélio Garcia. Como o sr avalia essa novidade? Ajudou ou atrapalhou ?
RB- Lula disse publicamente que seu governo diferia dos anteriores porque tinha dois canais de comunicação com os países no exterior. Um, oficial, o Itamaraty, que se comunicava com os governos, e outro oficioso, com o assessor internacional da Presidência, Marco Aurélio Garcia, para os contatos com os partidos de esquerda que chegaram ao poder na América do Sul. Essa dualidade no início causou certa perplexidade no exterior pelo sinais diferentes que transmitia. Com o correr dos anos, a influência de Marco Aurelio aumentou para outras áreas nos contatos com o exterior. Do ponto de vista do Itamaraty, o canal paralelo na formulação e na execução da política externa deve ter certamente atrapalhado e incomodado.