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O Bem Público por Professor Coutinho

coutinhoA polêmica lei distrital que proibiria os donos de passear com seus cães nos parques urbanos abertos ao lazer levantou novamente a discussão sobre o caráter dos bens públicos na cidade. Como já acontece na saúde, na educação e na segurança há bastante tempo, os parques urbanizados seriam também espaços “disputados” e excludentes na sociedade, pois afastariam tipos de pessoas, ou pelo menos formas de comportamento social não criminosa.

Os bens públicos assumem muitas definições. No campo da justiça, denominam-se, assim, aqueles bens e serviços que são gerados ou pertencem às pessoas jurídicas de direito público, ou seja, União, DF, Municípios, Autarquias e Fundações. Uma universidade, por exemplo, pode ser “pública”, ainda que seja concorrida, pouco acessível e prive grande parte da sociedade do seu uso. A grande maioria fica de fora num processo de seleção.

Há limites sociológicos do conceito jurídico de bem público. No Brasil, costuma-se inclusive confundir o público com o privado por causa disso, o que produz corrupção e picardia. Certa vez, esperando demais pelo atendimento em uma biblioteca pública, uma usuária queixosa recebeu a seguinte resposta da funcionária: “se a senhora acha que os bens dessa biblioteca são também seus, então por que não leva esse sofá em que está sentada para sua casa?”. Tal ironia mostra não só despreparo, como também que uma coisa pública nem sempre é mesmo pública “comme il faut“.

Segundo Paul Samuelson (1954), economista americano, um bem público pode ser definido mais precisamente quando o consumo de cada indivíduo de um determinado bem não leva a subtração do consumo de qualquer outro indivíduo daquele bem. Um bem público é por essa definição não excludente e indivisível, não gera rivalidades de espécie alguma. Sendo assim, uma universidade que seleciona alunos, mesmo que seja do Estado, não é um bem público numa concepção mais abrangente que vai além do aspecto meramente legal.

A definição neokeynesianista de bem público influenciou de maneira espetacular não apenas a economia, como também as ciências sociais de uma maneira geral. Com um dos seus principais seguidores, Mancur Olson (1971), aprendemos que justamente porque nesse tipo de bem não se pode excluir e nem dividir é que comportamentos oportunistas aparecem. Em termos racionais, seria preferível pegar carona nesse bem sem arcar com os custos de participar da sua criação coletiva porque ninguém poderá ser excluído depois.

Nota-se, portanto, que o bem público tem um lado bom e outro perverso. Todos gostariam de um ensino público de qualidade, de hospitais padrão FIFA, de uma segurança pública mais eficiente. Todos adorariam ver resolvido o problema das mudanças climáticas. Ocorre que nem os indivíduos nem os estados se entendem quanto a quem pagará o preço desses bens públicos e mesmo se é possível confiar nos compromissos assumidos por cada uma das partes. A solução mais frequente é constituir bens coletivos excludentes (não públicos), sejam unidades de ensino, de saúde, parques ou estádios de futebol. No limite, até o concurso público é uma contradição em termos.

Para complicar ainda mais, o fato de ser excludente, não torna um bem coletivo obrigatoriamente privado. Existem muitos outros conceitos. Mais recentemente, surgiu a figura de domínio público e o bem compartilhado, como o “Creative Commons”, que não é nem Copyright, de direitos reservados, nem tampouco de direito público. Trata-se de uma novidade intermediária; uma propriedade ou autoria privada reconhecida, mas que permite cópias e compartilhamentos mais livres por licenciamento. Não se confundem com bens socializados, como definido pelos marxistas, pois eles continuam sendo de alguém.

Mesmo para um autor mais coletivista como Rousseau, não há nada que possa se sobrepor às vontades individuais para a manutenção do “bem coletivo”. A liberdade do indivíduo é natural, e quando civilizada se condiciona apenas a um fino equilíbrio com os padrões coletivos de acordo com a vontade geral. A um só tempo, o contrato social iguala a todos e fortalece a liberdade de cada indivíduo, a partir das suas particularidades, cada vez mais diferenciadas na vida das grandes cidades modernas. Desse modo, um bem público igualaria a todos em massa nas suas diferenças e estilos de vida, numa verdadeira legião urbana.

 

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