Coluna Praça Oito desta segunda (21)
Jornal A Gazeta – Vitor Vogas
“É impossível encadear o que seja no Congresso com 28 partidos à mesa. Vira um mercado persa! Com essa quantidade de siglas, o Parlamento fica inviável e é desmoralizado”, Ricardo Ferraço, senador
Com o também tucano Aécio Neves, o senador Ricardo Ferraço assina a PEC que estabelece uma rigorosa cláusula de barreira para a subsistência de partidos políticos e que abole as coligações nas eleições para vereadores, deputados estaduais e federais. Já aprovada na CCJ e em 1º turno no plenário do Senado (por placar folgado: 58 a 13), a PEC deve ser votada em 2º turno nesta quarta-feira.
A PEC pode ser um primeiro e decisivo passo para que o Congresso enfim tire do papel a reforma política cuja urgência é tão propagada quanto postergada. Contém duas mudanças complementares que perseguem o mesmo objetivo: pôr um freio de arrumação na farra de bordel que virou o cenário partidário nacional.
“A maioria (dos congressistas) se convenceu de que o sistema atual está completamente falido, fatigado, sem qualquer chance de dar certo. Esse é apenas o primeiro passo”, diz Ferraço. “A PEC dá um choque moralizador nos partidos políticos do Brasil. Não há paralelo na história de uma democracia que tenha esse fracionamento de partidos que nós temos. Hoje, 28 siglas têm representantes no Congresso. E há outras na fila pleiteando registro. Se não interrompermos isso, vamos tornar ainda menos sustentável aquilo que insustentável já é.”
Segundo ele, esse “freio de arrumação” começa com a cláusula de barreira, existente em mais de 40 países, como a Suécia e a Alemanha – caso mais clássico, onde cada partido, para “sobreviver”, precisa obter 5% dos votos em todo o país nas eleições parlamentares.
No Brasil, o corte proposto por Ferraço é mais baixo, embora também severo. Consiste na combinação de duas exigências: para poder seguir recebendo sua cota do tempo de TV e do Fundo Partidário, a agremiação, para início de conversa, precisará obter pelo menos 2% dos votos em todo o território nacional. Isso em 2018. No pleito de 2022, o sarrafo será elevado para 3%. Simultaneamente, a mesma sigla precisará receber pelo menos 2% dos votos em pelo menos 14 Estados, tanto em 2018 como em 2022.
Em paralelo, será extinto aquele que analistas políticos hoje apontam talvez à unanimidade como o grande mal do nosso sistema eleitoral: a formação de coligações. Somadas, tais medidas tendem a eliminar aos poucos a existência dos chamados “partidos de aluguel” – siglas nanicas desprovidas de programa e identidade, mas especializadas em negociações de alianças de ocasião durante as temporadas eleitorais, e cuja razão de ser, portanto, só se justifica dentro desse modelo falido de eleição proporcional.
Mas a PEC traz um 3º ponto: a chamada “federação de partidos” (vide notas). “Espécie de concessão para darmos um passo e melhorar”, como admite Ferraço, a inclusão do item é polêmica, pois pode, se não atingir de morte, no mínimo contrariar aquela que é a essência mesma da proposta. Assemelhadas às coligações que se pretende extinguir, as federações podem acabar favorecendo a perseverança de nanicos de aluguel, unidos simbioticamente em busca de sobrevida.
“É uma tática para viabilizar a aprovação na Câmara”, concede Ferraço, ciente de que, diferentemente do Senado, na Casa vizinha não se deve esperar placar elástico. Ao contrário, a verdadeira batalha deverá ser travada ali ao lado, na Casa habitada por deputados que terão de ser convencidos a mudar as regras de um sistema pelo qual eles mesmos são eleitos. “Ali é que está o problema. A federação é um atrativo maior para que a PEC seja viabilizada e aprovada na Câmara, sugerido inclusive pelo próprio presidente Michel Temer.”
Resistências à parte, Ferraço se diz otimista na aprovação em dois turnos nas duas Casas, visto que, além de Temer, a PEC já foi acolhida pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e por diversas bancadas numerosas. É ver para crer.
O rigor da guilhotina
Reportagem publicada há poucos dias pelo jornal “O Globo” mostrou que, nas condições impostas pela PEC de Ferraço, só nove dos 35 partidos teriam cumprido, com a votação que obtiveram na eleição municipal de 2016, as duas exigências para continuar tendo direito a tempo de TV e cota do Fundo Partidário. Ficariam de fora siglas com história e consistência ideológica, como o PPS, o PSOL e o PCdoB. Não é um filtro rigoroso demais?
Federação de partidos
Responde o próprio Ferraço: “Pensando nisso e considerando que é fundamental manter a representação das minorias na vida política, é que também estamos propondo a federação de partidos”.
Como funciona?
Durante o processo eleitoral, dois ou mais partidos pequenos se registram no tribunal eleitoral como uma federação. Na prática, disputam a eleição como se estivessem numa coligação. A diferença é que, após o pleito, a união não se dissolve. No exercício do mandato, os eleitos por cada sigla integrante da federação ficam obrigados a atuar como um bloco parlamentar. Já o acesso ao tempo de TV e ao Fundo Partidário é distribuído proporcionalmente a cada sigla em função do respectivo número de eleitos.
O problema
A questão é que isso abre uma brecha para que partidos nanicos e de aluguel se juntem em federações visando à própria sobrevivência, em prejuízo do fim maior da PEC. Ferraço admite que a inclusão deste ponto não é o ideal, mas que foi “movimentação tática” necessária para viabilizar a aprovação da PEC na Câmara. “Para darmos esse passo e fazermos essa mudança, preciso ter votos também na Câmara. O ideal realmente é que não tivesse. Mas o ótimo é inimigo do bom. E precisamos sair do ruim.”
A Coluna Praça Oito é assinada pelo jornalista Vitor Vogas
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