Já não mais nos assusta o noticiário nacional abordando a violência nas cidades e os números de homicídios no Brasil que são superiores àqueles de países em guerra civil. Infelizmente, constata-se a banalização dessa realidade onde os números passaram a ser tratados como meras estatísticas.
A última década trouxe uma inversão nos números de homicídios e sua distribuição na população. Se as taxas de mortalidade para o conjunto da população caíram 3,5% nesse período, as mortes por causas externas aumentaram 28,5% e, nestes, os homicídios tiveram um crescimento de 132,1% e constatamos que os homicídios ultrapassaram aceleradamente os óbitos em acidentes de transporte.
No Brasil, país sem disputas territoriais, movimentos emancipatórios, guerras civis, enfrentamentos religiosos, raciais ou étnicos, conflitos de fronteira ou atos terroristas, foram contabilizados, nos últimos quatro anos disponíveis – 2008 a 2011 –, um total de 206.005 vítimas de homicídios, número bem superior aos 12 maiores conflitos armados acontecidos no mundo entre 2004 e 2007. Mais ainda, esse número de homicídios resulta quase idêntico ao total de mortes diretas nos 62 conflitos armados desse período, que foi de 208.349.
Números oficiais do Ministério da Saúde mostram que mais da metade dos 52.198 mortos por homicídios em 2011 no Brasil eram jovens (27.471, equivalente a 52,63%), dos quais 71,44% negros (pretos e pardos) e 93,03% do sexo masculino. Conclusão: ser jovem, negro e do sexo masculino aumenta em muito a possibilidade de um indivíduo ser assassinado neste País da Copa.
No Espírito Santo, mesmo reconhecendo os investimentos em Segurança Pública, que no sistema carcerário foram da ordem de 453,7 milhões de reais nos últimos 10 anos, que se por um lado trouxeram melhorias nas condições das prisões contribuindo para reduzir sua superlotação e melhorar as condições de ocupação; os números dos homicídios de jovens são muito superiores à média nacional.
A queda no número absoluto de homicídios na população branca e de aumento nos números de vítimas na população negra nos apresentam uma realidade assustadora, pois ao analisarmos o número de Homicídios na População Total por Raça/cor – temos que no Espírito Santo, entre os brancos, houve uma redução de 287 para 238 casos, equivalente 17%. Entretanto, a participação da população negra, que já era significativamente superior, aumentou de 809 para 1.218 casos, equivalente a 50,6%.
Ao trazermos esta análise para a população jovem, temos que o número de homicídios de jovens brancos ficou na casa dos 37,3 casos por 100 mil habitantes, enquanto entre negros, este número atingiu a casa dos 144,6 casos no mesmo universo de referência.
Temos então que a vitimização do negro na última década subiu de um patamar 42,9% maior que a do indivíduo branco, para um total 153,4% maior que estes.
Diante destes números fica impossível não nos indignarmos com a resistência com que a imensa maioria dos atores políticos – independentemente de seu partido político – se colocam quando chamados para discutir a questão racial no Brasil.
Hoje convivemos tragicamente com uma espécie de “epidemia de indiferença”, quase cumplicidade de grande parcela da sociedade, com uma situação que deveria estar sendo tratada como uma verdadeira calamidade social.
Isso ocorre devido a uma certa naturalização da violência e a um grau assustador de complacência do Estado em relação a essa tragédia. É como se estivéssemos dizendo, como sociedade e governo, que o destino desses jovens já estava traçado.
Ruy Marcos Gonçalves
Secretário Geral do PSDB/ES e Militante do Movimento Negro