Em relatório divulgado nesta segunda-feira (14), a Organização das Nações Unidas (ONU) afirma que o Brasil “fracassou” em mudar a realidade de discriminação e da pobreza que afeta os negros em todo o país. No documento sobre a situação da população afro-brasileira, a ONU aponta que houve “um fracasso em lidar com a discriminação enraizada, exclusão e pobreza enfrentadas por essas comunidades” e denuncia a “criminalização da população negra no Brasil”. A redução da desigualdade racial era uma das promessas do governo Dilma Rousseff e bandeira histórica do PT.
Para a presidente do Tucanafro na Bahia, a desembargadora Luislinda Valois, as promessas de inclusão do negro brasileiro no contexto sócio-econômico-financeiro foram feitas pelo PT desde o início do governo em 2003, mas, na verdade, pouco ou nada consistente foi feito. “Por isso, o negro está na rua, como, aliás, sempre esteve em busca do que lhe foi prometido e de um Brasil mais justo. Nós, negros, superlotamos as cadeias públicas, somos os presos das delegacias aguardando julgamento, às vezes, sem culpa formada. Continuamos na senzala, vivendo de ‘cotas de um’”, criticou.
O documento obtido jornal Correio Braziliense foi preparado pela relatora sobre Direito de Minorias da ONU, Rita Izak, que participou de uma missão no Brasil em setembro do ano passado. Em suas conclusões, o mito da democracia racial permanece um obstáculo para se reconhecer o problema do racismo no Brasil. “Esse mito contribuiu para o falso argumento de que a marginalização dos afro-brasileiros se dá por conta de classe social e da riqueza, e não por fatores raciais e discriminação institucional”, constatou a relatora, ressaltando que, “lamentavelmente, a pobreza no Brasil continua tendo uma cor”.
Das 16,2 milhões de pessoas vivendo em extrema pobreza no país, 70,8% deles são afro-brasileiros. Segundo o levantamento da ONU, os salários médios dos negros no Brasil são 2,4 vezes mais baixos que o dos brancos e 80% dos analfabetos brasileiros são negros e 64% deles não completam nem a educação básica. Outro aspecto é o impacto da violência nessa parcela da população: dos 56 mil homicídios no Brasil por ano, 30 mil envolveram pessoas de 15 a 29 anos. Desses, 77% eram garotos negros.
Segundo Luislinda – que é a primeira juíza negra do Brasil e integrante da Executiva Nacional do PSDB – os negros são apenas bons eleitores e excelentes contribuintes, sem o devido obrigatório retorno dos recursos em políticas públicas. “Estamos morrendo nas portas dos hospitais, nas filas dos SUS, com educação precária, desempregados e vivenciando o ‘holocausto’ do jovem preto, pobre e da periferia. São os pretos, pobres e da periferia os analfabetos, os ‘ditos traficantes’, mesmo que não sejam os donos da ‘droga’, que são transportadas em containers. É ainda a mãe preta brasileira que, vez por outra, ao abrir a porta da sua simples moradia para enfrentar o transporte urbano para dirigir-se ao seu trabalho, se depara com o corpo de seu filho. É assim, que nós pretos, pobres da periferia, somos tratados em pleno ano de 2016. Ficaram as promessas do PT, quando virão as ações?”, indaga Luislinda.
Três Poderes
Projetos como o Bolsa Família e as cotas para negros em diversas instituições não foram suficientes para produzirem um impacto maior na desigualdade no Brasil. A relatora da ONU, Rita Izak, lamentou também o fato de o sistema de cotas não existir no Legislativo, no Poder Judiciário e também não ser aplicável em postos de confiança. No Judiciário, apenas 15,7% dos juízes são negros e não existe nenhum atualmente no Supremo Tribunal Federal. “Na Bahia, onde 76,3% da população se identifica como afro-brasileira, apenas nove dos 470 procuradores do Estado são afro-brasileiros”, afirmou a relatora. No Congresso, apenas 8,5% dos deputados são negros.
Assim como a relatora da ONU, a presidente do Tucanafro-BA também criticou a ausência de negros nos espaços de decisão e assessoramento dos Três Poderes da República. “É uma desembargadora negra em apenas cinco ou seis estados, não sei se vai a tanto. É um promotor de Justiça negro por Procuradoria em menos de cinco estados. É um ministro negro no Superior Tribunal de Justiça. É também uma ministra de Estado dentre os 36 ministros da administração federal, assim mesmo com rotulagem não de ministério, mas sim de Secretaria da Igualdade Racial e atualmente com outra denominação, em virtude da fusão de algumas secretarias/ministérios. Nos estados, não existe e nunca existiu procurador-geral de Justiça negro. No Supremo Tribunal Federal, não temos ministro negro naquela corte, o único aposentou-se. No Superior Tribunal do Trabalho, a situação é semelhante, o que tínhamos aposentou-se. No Superior Tribunal Militar não temos ministro negro”, lamentou.