O governo até tenta. Mas ainda não chegou o dia em que mágicas tiradas da cartola conseguem suplantar a dura realidade. É o que irá acontecer com as tarifas de energia, prestes a sofrer forte aumento, que pode chegar a 15% neste ano. A redução forçada das contas de luz não durou nem um verão, mas deixou um rastro de destruição num dos mais importantes setores da economia.
Em setembro de 2012, Dilma Rousseff ocupou cadeia nacional de rádio e televisão. Sob pretexto de discorrer sobre o Dia da Independência, anunciou uma bombástica redução nas contas de energia, que chegaria a 16% no caso das residências e até 28% para as indústrias. A presidente transformou a temerária iniciativa numa vistosa bandeira eleitoral.
O resultado mágico seria alcançado com uma arbitrária renovação dos contratos de concessão das empresas do setor. Quem não aderisse, perderia direito à prorrogação. Poucas companhias disseram não e a maior parte foi forçada a acatar as novas regras. Foi como o beijo da morte: as condições impostas às concessionárias praticamente inviabilizaram o negócio de energia no Brasil.
Desde então, os desequilíbrios se acumulam, agravados por um regime de chuvas pouco pródigo, com baixíssimo volume de chuvas nos últimos anos. O governo preferiu brincar com a sorte e dobrou a aposta. Incentivou o consumo na mesma medida em que os reservatórios secavam e a energia tornava-se mais escassa. Resultado: o setor entrou em colapso.
O país está à beira de um racionamento e às portas de um tarifaço de energia, sem o qual as contas públicas desabarão e a própria solvência do país ver-se-á comprometida. Ou seja, encontra-se entre a cruz e a caldeirinha. Uma lambança e tanto produzida em curto espaço de tempo pela irresponsável decisão de Dilma de transformar uma discussão que deveria ser eminentemente técnica em moeda eleitoral.
Só no ano passado, a barbeiragem já custou R$ 9,8 bilhões ao Tesouro, que, por ora, matou a conta no peito, mas logo, logo começará a repassá-la aos consumidores de energia. Se não repassar, quem pagará são os contribuintes. Neste ano, a fatura deve chegar a R$ 18 bilhões, porque o país queima todo o óleo que tem para manter as usinas térmicas produzindo a pleno vapor. O problema é que o dinheiro para cobri-la simplesmente acabou.
Suportar novamente a conta do desajuste que ele próprio instalou no setor elétrico levaria o governo a implodir de vez os resultados fiscais. Nenhuma meta de superávit – que deve ser anunciada hoje ou, no mais tardar, até quinta-feira – parará em pé e a pouca credibilidade que a gestão fiscal ainda dispõe virará pó em questão de dias.
O governo se viu, então, diante da necessidade de voltar atrás e recompor as tarifas de energia para remediar o estrago. Estima-se que o tarifaço represente uma alta de até 15% nas contas de luz neste ano, como informa hoje o Valor Econômico. Isso se o Tesouro ainda bancar metade da conta deste ano.
O percentual cobriria o reajuste anual de praxe, os gastos extras com acionamento das térmicas, despesas com subsídios e o pagamento de indenizações às concessionárias do setor por conta da malsinada renovação contratual.
Desta maneira, o benefício obtido com a mágica da renovação truculenta dos contratos de concessão será praticamente zerado, apenas um ano depois de anunciado. Ainda ficará faltando, porém, compensar os gastos extras de 2013, o que significa que novas altas estão contratadas para 2015 em diante. Cai por terra, portanto, a fábula da tarifa de luz baratinha.
A redução forçada das tarifas de energia até ajudou a conter a inflação no ano passado. Estima-se que, sem ela, o IPCA teria furado o teto da meta. Agora ocorrerá o inverso. Se todo o custo de acionamento das térmicas for repassado para os consumidores, o impacto no índice de preços será de 0,6 ponto percentual, segundo O Globo. Mais uma indicação de que, quando a solução é artificial, a conta sempre chega, e mais salgada.
Para completar, o país convive hoje com risco considerável de racionar energia. Até o governo já admite que a hidrologia é pior até do que em 2001, quando foram adotadas medidas de contenção de consumo. Tecnicamente, a situação já indicaria um corte de 5% na oferta de energia, segundo o ONS, uma vez que os custos de produzir eletricidade no país alcançaram patamar proibitivo.
A redução das tarifas de energia foi transformada numa bandeira eleitoral por um governo que precocemente se lançou na disputa por um novo mandato. A reversão precoce dos cortes nas contas de luz mostra como medidas artificiais são insustentáveis, assim como governos que se ancoram apenas no marketing também não conseguem ficar de pé por muito tempo.