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Rombo

“Rombão Externo”, análise do ITV

Banco-Central-Foto-BC-300x191À primeira vista, contas externas parece assunto complicado. Mas é uma das maneiras mais didáticas de se aferir o quanto uma economia está ou não desequilibrada. Se o rombo cresce, é sinal de que o país está gastando mais do que tem; comporta-se, portanto, como mau devedor. É precisamente o que está acontecendo com o Brasil hoje.

Nos últimos anos, o déficit externo tem crescido muito no país. Agora, o que já era grave está se aproximando do paroxismo: em outubro, o rombo chegou a 3,73% do PIB, conforme divulgou ontem o Banco Central. Trata-se da pior marca desde fevereiro de 2002 e significa que o país está gastando muito mais do que recebe do exterior.

Só no mês, o buraco foi de US$ 8,1 bilhões. A série de informações do Banco Central começa em 1947 e nunca antes na história o déficit externo em outubro havia sido tão alto. O mesmo aconteceu também em agosto e setembro – ou seja, a anomalia tornou-se regra.

Com o péssimo resultado do mês, o déficit acumulado em 12 meses atingiu US$ 84,4 bilhões. Parte deste buraco é coberto pelos investimentos estrangeiros, mas nos últimos anos eles se tornaram insuficientes – a previsão é de que não passem de US$ 60 bilhões neste ano, segundo o boletim Focus do BC.

As contas externas também estão sendo prejudicadas pelo comportamento do comércio exterior brasileiro. Neste ano, pela primeira vez desde 2002, a balança comercial deve fechar no vermelho: de janeiro até esta semana, as importações feitas pelo país superam as exportações em US$ 4,1 bilhões, de acordo com a Secex.

A deterioração das contas externas tem sido rápida. Para se ter ideia, três anos atrás o déficit acumulado em 12 meses estava em 1,98% do PIB, quase metade do que é hoje. Isso deixa a economia brasileira bem mais vulnerável à atual queda dos preços internacionais de commodities (nossos principais itens de exportação) e à previsível alta dos juros internacionais e do dólar nos próximos meses.

O retrato dos desequilíbrios macroeconômicos do país completa-se com o rombo fiscal, hoje situado em 4,92% do PIB. Isso significa que, somados, os déficits externo e interno atingem 8,6% de tudo o que o país produz num ano. São os chamados “déficits gêmeos” que se intercomunicam pela explosão de gastos públicos verificada nos últimos anos, conforme mostra análise d’O Globo.

Desde 2008, o país passou a exibir rombos nas suas contas com o exterior. Em si, os déficits não são de todo ruins. Mas se tornam uma perversidade quando crescem aceleradamente e desnudam uma economia que não consegue gerar poupança própria para crescer. Pior: mesmo estagnada, precisa do dinheiro de fora apenas para tapar os buracos que produz internamente.

“Desastre das contas públicas”, opinião O Estado de S. Paulo

agenciabrasil030912_ebc2033A situação desastrosa das contas públicas agravou-se em maio com um déficit primário de R$ 11,05 bilhões, o pior resultado para o mês e o segundo pior de toda a série oficial, superado somente pelo rombo de R$ 20 bilhões em dezembro de 2008, no começo da crise global. Só um otimismo extraordinário permite apostar, neste momento, no resultado prometido para o ano, um superávit primário de R$ 99 bilhões para todo o setor público – União, Estados, municípios e companhias estatais.

O resultado de cinco meses ficou em R$ 31,48 bilhões, 32,62% menor que o de igual período de 2013. Será preciso multiplicar o acumulado de janeiro a maio por pouco mais que três para alcançar a meta fixada para 2014. O superávit primário é destinado ao pagamento de juros da dívida pública, mais precisamente, de uma parte dos juros, porque uma fatia dos compromissos é sempre rolada.

O resultado obtido em 12 meses, um saldo primário de R$ 76,06 bilhões, ficou em 1,52% do Produto Interno Bruto (PIB) estimado para o período, muito longe, portanto, da meta de 1,9% programada para o ano. Em geral, os números do primeiro semestre são os mais favoráveis e garantem alguma gordura para ser consumida nos meses seguintes, quando os governos tendem a aumentar as despesas tanto de custeio quanto de investimento. Neste ano, o conjunto do setor público foi incapaz de juntar essa reserva e com isso ficará mais difícil produzir o resultado final.

Ainda assim, o chefe do Departamento Econômico do Banco Central (BC), Túlio Maciel, tentou, ao apresentar os dados fiscais, mostrar algum otimismo quanto ao alcance da meta. É preciso, argumentou, levar em conta o ingresso, nos próximos meses, de receitas de concessões, de dividendos e de prestações do Refis, o programa de refinanciamento de débitos tributários.

Esse aparente otimismo é sustentado, portanto, pela expectativa de receitas especiais, fora do conjunto da arrecadação recorrente. Dividendos, bônus de concessões e prestações do Refis foram amplamente usados em 2013 para engordar o resultado fiscal e continuam em uso neste ano. Até maio, as concessões de infraestrutura renderam R$ 1,23 bilhão, 13,7% menor que um ano antes, mas os dividendos, R$ 9,01 bilhões, foram 230% maiores que os dos primeiros cinco meses de 2013. Os dois tipos de ingressos deverão aumentar no segundo semestre, segundo as previsões de Maciel, mas, além disso, R$ 2 bilhões da Petrobrás já estão garantidos, em troca da cessão de mais quatro áreas do pré-sal. Esse contrato, sem licitação, foi anunciado na semana passada.

Pela programação oficial, caberá ao governo central – Tesouro, BC e Previdência – produzir R$ 80,8 bilhões de superávit primário. O resto ficará, em princípio, por conta dos governos de Estados e municípios e também das empresas estatais. De janeiro a maio o governo central produziu um saldo primário de R$ 18,10 bilhões; os governos regionais, de R$ 13,56 bilhões; e as estatais, um déficit de R$ 182 milhões. Mas o governo federal assumiu o compromisso, no começo do ano, de garantir o resultado total, se as administrações subnacionais e as companhias controladas pelo setor público deixarem de cumprir integralmente a sua parte.

Com a economia em passo de tartaruga, a receita de impostos deverá continuar abaixo das previsões. Ao apresentar os números do governo central, na sexta-feira, o secretário adjunto da Receita Federal, Luiz Fernando Teixeira Nunes, admitiu reduzir de 3% para 2% a projeção de aumento real da arrecadação. Em cinco meses, o governo federal arrecadou R$ 487,21 bilhões. Descontada a inflação medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), o valor foi apenas 0,31% maior que o de um ano antes.

Como as despesas continuarão crescendo mais que a arrecadação até o fim do ano, o governo mais uma vez terá de recorrer a arranjos contábeis para tornar mais apresentável o resultado final. Seria extremamente irrealista esperar, num ano de eleições, alguma demonstração de austeridade. Além disso, o governo manterá pelo menos parte dos incentivos fiscais a setores selecionados da indústria.

*Publicado no jornal O Estado de S.Paulo – 01-07-14